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826- Talvez e bom senso na ética da beira do leito (Parte 3)

Qualquer tentativa de eliminar os talvezes da beira do leito é trabalho de Sísifo. Qualquer nova luz tecnocientífica provoca alguma sombra. Nossa carapuça de Dr. Talvez endossa Andre GideAndre Gide (1869-1951): Procure verdades, se encontrar, duvide. Por isso,  a Bioética da Beira do leito alerta há muito para os perigos da síndrome do último artigo publicado. Ele encanta um agora vamos fazer melhor, mas todos os filtros éticos e editoriais são insuficientes para assegurar uma imediata superioridade o que faz recomendar agora talvez faça melhor.

Evidentemente, a dúvida é uma ponte para a certeza, mas, sempre tem um mas exigente da travessia. A lição 00 da beira do leito. O alarido de talvezes tem ficado mais tímido na sonoridade da mente do médico tradicionalmente observador atento entre incertezas, o que pode, em parte ser atribuível à rotina dormonid de nossos dias. Ao hábito de sedação do raciocínio clínico – leia-se adesão acrítica às dimensões de efeito I/IIa- para afastar possibilidades de processo ético ou judicial.

Acreditem, talvez é o que permite ao médico ético orgulhar-se de estar R26 séculos. Neste contexto de intensidade, de incorporação do sentido da medicina como um encontro que carrega limitações e circunstâncias não ideais, o significado de pensar, sentir e atuar possibilidade mas não certeza torna este advérbio enraizado na ética. Destaca-se nas entrelinhas de vários artigos deontológicos desde o pioneiro Código de Moral Médica (1929): Capitulo 1: dos deveres dos médicos para com os enfermos – Artigo 1º- A obrigação do médico de atender a um chamado no exercício da sua profissão limitar-se-á aos casos seguintes… 

Fica posto, então, talvez atenda, talvez não atenda..Há a expectativa, mas não há a certeza. Porque a dúvida é inerente ao viver, na beira do leito onde tudo da vida acontece, as sequentes variabilidades de situações e os registros de flutuações de comportamentos alinham-se a inúmeros talvezes de interesse da ética médica. Considerando que o caso clínico é um desdobramento do paciente, as tensões e as providências precisam ser decodificadas para o paciente em linguagem fluida e cotidiana, o que, praticamente elimina o descarte de talvezes. Por mais que haja firmeza no otimismo seco da emissão de tudo dará certo, ele será recebido lá no fundo – ou nem tanto- com um aposto de dúvida- Será mesmo?  

Na ordem dos atendimentos, as realidades dos pacientes suscitam a aplicação de ideais de valor da medicina – métodos diagnósticos, terapêuticos, preventivos validados-, contudo, a previsão do bem almejado (beneficência) só poderá ser confirmada (ao ser transformada em benefício) no decorrer da evolução. Em tese, toda prescrição médica tem algum componente de dúvida sobre suas decorrências. O paciente tem que saber o que não se sabe… salvo em algumas circunstâncias sempre discutíveis.

Desta forma, quando o médico comunica o prognóstico da conduta ao seu paciente, ele se obriga a comentar sobre condicionantes dos resultados. O verdadeiro de uma diretriz clínica, por exemplo, uma recomendação beneficente de natureza IA altamente desejada e provável de se realizar, para não ficar uma previsão eticamente incompleta necessita incluir as possibilidades de efeitos indesejados.

Por isso, a relevância da produção da linguagem esclarecedora ao paciente pelo médico em sua função de agente moral da medicina. O acréscimo negativo ao enunciado positivo funciona como um ponto de interrogação. A excelência ética, portanto, necessita da conscientização sobre talvezes, o que a Bioética reconhece e valoriza por meio do direito do paciente de aplicar os talvezes para decidir manifestar consentimento ou não consentimento à recomendação médica.

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