PUBLICAÇÕES DESDE 2014

814- Aviso aos navegantes… da internet (Parte 1)

InternetPatientAviso aos navegantes… da internet: Cuidado com o norte quando você percorre o oceano de informações sobre saúde e doença. Cuidado com ondas ambíguas. Cuidado com  correntes que  afastam. Cuidado com quem se julga na crista da onda. Cuidado quando uma tempestade de ideias de circunstantes o direciona para uma tomada de decisão complexa. Cuidado com a pós-verdade. Utilize-se de mapas confiáveis sobre ilhas acolhedoras e icebergs ameaçadores.

Depoimento de CFS, 58 anos, mulher
Doutor, desde que o senhor fez o diagnóstico não paro de consultar a internet, como professora de línguas já li inglês, francês, espanhol e alemão sobre a doença. Não consigo me decidir, tenho confiança no que disse, o senhor foi bem claro nas explicações, mas não sei se devo aceitar o tratamento que o senhor me recomendou. Quando acho que já estou suficientemente esclarecida, vem outra informação e congelo. Minha cabeça parece uma montanha russa. Me desculpe, mas ainda não posso lhe dizer sim ou não.  
Depoimento de PRV, 58 anos, homem
Doutor, quem é que deve dar o consentimento? O eu-cidadão que era considerado saudável até agora, ou o eu-paciente a partir de agora? Pois somos duas pessoas distintas. O saudável não quer abrir mão da rotina, o doente precisa enfrentar umas novidades. Até há pouco, doutor, quando pensava na situação de vir a ficar doente, fantasiava que cumpriria o que fosse necessário, mudaria meus planos em função da saúde, seria um bom paciente. Agora, frente à realidade de me modificar mesmo, numa situação concreta, confesso que balanço, não me sinto tão seguro assim para tomar uma decisão. De racional, virei emocional. 

O princípio da autonomia na beira do leito embute cautela com a palavra do médico, pois ela pode representar um vento na direção contrária aos desejos e interesses do paciente. É certo que o paciente não está obrigado a se submeter, entretanto, também é certo que o médico se esforça para que o paciente atravesse a medicina auxiliado pela bússola da beneficência e consciente de um porto seguro de não maleficência.

Paradoxalmente, o médico recomenda o calado da prescrição por meio da verbalização sincera e competente. O médico cioso de suas responsabilidades é menos Titanic e mais bote salva-vidas. O médico ético nunca será um agente imoral da medicina – exceções há, mas são gotas no oceano. Assim, ouvir-se ouvir o médico é compromisso do paciente pela qualidade de vida e sobrevida, o que compreende concentrar-se, respeitar o profissional e confessar o não entendido.

No mar ora de almirante ora do cabo das tormentas, a prática do princípio da autonomia admite latitudes sombrias. Observo que prevalece um reducionismo que dá a entender que o paciente capaz não deve se deixar levar pelo médico paternalista que presume saber o que é melhor para o paciente e que a responsabilidade profissional é, tão somente, prover matéria-prima tecnocientífica para a reflexão crítica bem fundamentada do paciente.

Após uma espécie de aula ajustada para não iniciados, o médico deve aguardar inerte a manifestação da decisão pelo paciente, como um x na opção sim ou na opção não. Algo como o garçom que após explicar itens do cardápio sai de cena para deixar o cliente à vontade e fica na expectativa de ser chamado para tirar o pedido. A Bioética da Beira do leito entende que conexão médico-paciente ética e solidária não admite nenhum momento de solidão.

COMPARTILHE JÁ

Compartilhar no Facebook
Compartilhar no Twitter
Compartilhar no LinkedIn
Compartilhar no Telegram
Compartilhar no WhatsApp
Compartilhar no E-mail

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POSTS SIMILARES