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780- É anamnese, não amnésia (Parte 1)

Em excursões arqueológicas pela história da medicina deparo-me de vez em quando com críticas que poderiam se superpor a atuais. Em 1949, Sir Adolphe Abrahams (1883-1967), o fundador da ciência do esporte no Reino Unido,  escreveu em seu artigo The role and value of anamnesis (The Lancet, april 2) sobre a tendência do jovem negligenciar uma aproximação direta ao paciente: “… o estudante de hoje exibe apetite insaciável por investigações laboratoriais e outros acessórios diagnósticos… “.

Era vigente na década de 40 do século passado que a distinção entre bom e mau médico era calibrada pelo tempo dispendido para tirar uma anamnese e a habilidade para interpretar  a história obtida.

A medicina mudou. A sociedade mudou. A anamnese estruturada em queixa principal, história da moléstia atual, antecedentes pessoais e familiares de algumas páginas amoldou-se num menor espaço do prontuário eletrônico. Alguns sintomas capitais, como a dor, conservam a eficiente contribuição do detalhamento de caracteristicas da manifestação para o dignóstico diferencial.

As distintas proporções que a anamnese foi adquirindo no contexto do atendimento tenderam para servir como justificativas para a complementação por exames terceirizados. O São Tomé eufemizado como documentação do caso.

O conceito de bom/mau médico, ou melhor, de boa/má medicina contemporâneo tomou novas feições. O tique-taque do relógio dita o ritmo. Há pressa na conexão médico-paciente. Talvez, melhor, impaciência. Em nome da eficiência, do reducionismo que tempo é prognóstico, da desconsideração que pretensos benefícios são acompanhados por prevalentes malefícios, um pensamento insiste em prevalecer: Se os antigos fundamentavam o diagnóstico de certeza de muitas doenças no exame anatomopatológico, porque as qualificadas imagens atuais que permitem análoga fidedignidade não podem abreviar as conclusões de modo genuíno em muitas doenças?

Não há como não aderir. O valor da anamnese persiste, para certos casos é a chave do diagnóstico, mas ela adquiriu novas relações na composição do diagnóstico, majoritariamente, encolheu como peça do quebra-cabeça diagnóstico.  Não faltam casos de verdadeira inversão do status quo, onde a anamnese tem sido aplicada como complemento.

Transfere-se o sentido de atenção para a extrema objetividade. Mas, a Bioética está atenta e atuante. Se há, porventura, a desatenção a subjetidades do paciente pelo desinteresse na anmanese, concluído o diagnóstico sustentado pelas máquinas maravilhosas, tudo fica em compasso de espera: o paciente precisa ser ouvido para dar o seu consentimento livre e esclarecido. É o princípio da autonomia impondo um pedágio de humanismo. É momento onde o diálogo entre médico e paciente pode se tornar a anamnese que faltou e fazer transparecer certas incongruências, inclusive provocando marchas-a-ré na elucidação.

Numa palavra: Anamnese é um clássico.

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