Admiro o retratista. Creio que, por isso, e pelo estímulo da Bioética, me vem à mente a pessoa do médico-retratista. Ele aplica a sua técnica captando as expressões do paciente e produzindo fiel identidade. Arrisco-me a considerar esta figura mais analógica à adequação do ser médico ao paciente do que a do alfaiate, já desgastada na literatura.
Imagino o bioamigo se perguntando: Será que eu sou um médico-retratista? Entendo que se for ético por formação, com a moralidade do comportamento conduzida pelos movimentos constantes do estado da arte da Medicina e pela consolidação do seu caráter, se com afinco e dedicação traça a “lápis e borracha” ordenações de conhecimento, raciocínio e emoções, caso a caso, a resposta é positiva.
O encontro do paciente com a inovação terapêutica traz desafios éticos complexos que requerem do médico-retratista a vitalidade do fazer intensamente consciente, não somente da autoridade da experiência e do conhecimento de conclusões de pesquisas pertinentes, como também da sensibilidade a particularidades clínicas e do respeito a preferências e valores do paciente.
O diálogo com a Bioética desenvolve sabedoria para o médico aplicar traços de retratista em três ambientes de inovação terapêutica.
AMBIENTE DA RELAÇÃO MÉDICO-MEDICINA
Consultórios brasileiros apresentam desigualdades de up-to-date. Elas são influenciadas pela proporção de livre-arbítrio da “pessoa física” do médico acerca do continuum renovador da literatura e de sujeição ao poder paternalista da “pessoa jurídica” de um comitê de diretrizes.
Processos terapêuticos nascem vulneráveis. As constatações de dados e fatos e as interpretações como evidência de mais utilidade e eficácia carregam incertezas da relação benefício/segurança na expansão além da rigidez metodológica das pesquisas, como na chamada fase de mercado de fármacos.
Tendo ao seu lado a memória-conselheira da Bioética sobre a força crítica do tempo, o médico-retratista configura os traços da inovação terapêutica, atento à possibilidade do prescrever tornar-se proscrever em futuro nada distante.
AMBIENTE DA RELAÇÃO MÉDICO-MÉDICO
No ambiente “hipocrático”, médicos se retratam em colegas formadores de opinião. É forte o traço da captação da inovação terapêutica difundida com preservação ética em meio a conflitos de interesse, especialmente os associados à lógica comercial.
O ambiente “hipertenso”, retratado com traços de dúvidas, inconformidades e falsas esperanças acerca da inovação terapêutica, acontece no exercício da segunda-opinião (intenção do paciente em confirmação) ou da segunda primeira-opinião (intenção do paciente em reforma).
Já o ambiente “hiperativo” exala o bom-senso do valioso traço de feedback ante a inovação, desenvolvido entre a clínica, a interpretação de exames de imagem e o suporte a procedimentos invasivos.
A Bioética alerta ao médico-retratista que à semelhança de leis, o aval de diretrizes costuma acontecer após o hábito. Assim, ele deve dominar zelo e prudência para fundamentar resposta à observação, não incomum, de colegas: “Mas esta sua conduta está nas diretrizes?!”.
AMBIENTE DA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE
O médico -retratista verifica o nível de segurança da aplicação de uma inovação terapêutica, alternativa ou acréscimo ao clássico, por meio de traços de individualização do perfil clínico e da personalidade do paciente.
A assimilação da “face única” fundamenta o repasse do admitido benefício inovador conceitual por dois pedágios de segurança no rumo do benefício inovador avaliado com vantagem prognóstica para a qualidade de vida e a sobrevida daquele paciente.
PEDÁGIO DA INDIVIDUALIDADE CLÍNICA- A conduta terapêutica que recupera um órgão/uma estrutura doente pode provocar adversidades e agravar comorbidades. A inovação acresce incógnita.
A singularidade dos traços com os quais o médico-retratista espelha os riscos à inovação terapêutica justifica possíveis ajustes de indicação e de contra-indicação. Desta maneira, ele cumpre a missão capital de dar equilíbrio entre o reconhecimento do existente a modificar e a responsabilidade da intervenção.
A fidelidade holística está em sintonia com o conceito de clima de segurança. Parte-se do pressuposto de iatrogenia para qualquer benefício e conduz-se diuturna ênfase na não maleficência.
A Bioética credita alto valor ético a este redesenho. A individualidade do paciente alinha as diretrizes como bússolas para o médico e não como algemas para o paciente.
PEDÁGIO DO CONSENTIMENTO PELAS PREFERÊNCIAS E VALORES DO PACIENTE- Perante a recomendação de uma inovação terapêutica, há pacientes que optam pelo paternalismo absoluto- entendem que o doutor sabe o que faz-, há os mais autonômicos que fazem questão de participar ativamente na avaliação dos prós e dos contras, mais propensos ao “efeito bula”, e há aqueles que alternam paternalismo e autonomia em proporção variável.
Os traços ilustrativos de cada experiência de enfermidade modelada numa forma biocultural num Brasil pluriétnico e multicultural sinalizam os tons do diálogo acolhedor que não violentam as preferências e os valores do paciente. Eles são essenciais em prol do consentimento numa primeira fase e da adesão numa subsequente.
O bioamigo já fez um auto-retrato da impressão de si mesmo como médico-retratista?
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