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753- Liberdade! Liberdade! Abra as asas sobre nós (Parte 2)

O princípio da autonomia, um dos quatro da Bioética dita principialista, dá voz ativa ao paciente sobre a recomendação médica e permite escolhas entre opções possíveis, na medida em que há liberdade – princípio da equidade em Bioética- para dispor de seus sintomas, seus sinais, seus laudos, ir em busca de atendimento ou dele vir procurar uma segunda opinião, obter alta a pedido, o que pode ser resumido como manter-se no controle da própria vida.

Em seu arrazoado, o princípio da autonomia faz-se guardião do livre-arbítrio pelo paciente e o protege contra possíveis abusos- que não faltaram na primeira metade do século XX, especialmente na pesquisa clínica. Mas como o impacto da circunstância clínica pode ser forte e causar efervescências clínicas e tensões emocionais, obediências  a determinadas vontades ficam comprometidas,  o que se verifica, por exemplo, perante uma emergência – salvo em iminente perigo de vida (Art. 46) acima citado.

A mistura de vontades no seu relacionamento consigo mesmo promove conflitos internos no paciente, que podem ou não transbordar. Desta forma, o respeito profissional ao princípio da autonomia pelo paciente é apreço a sua liberdade de manejar movimentos de vontades, muitas vezes não transparentes. A sensibilidade do médico treinado pode perceber as indeterminações do paciente antes de um não ao consentimento, por exemplo, ou, então, formalmente pelo vocalização da negativa. A condição de pensamentos do paciente tendendo para o não consentimento, mas ainda pendulares, nômades e sem rumo definitivo é razão bastante para entender do ponto de vista moral que o paternalismo, o brando, não colide com o direito à autonomia pelo paciente, pois, tão somente reforça pontos de referência da travessia inquietante e não força um direcionamento por interesses espúrios.

Na contemporaneidade da medicina baseada em evidências, no clima de globalização expresso por diretrizes clínicas, na atenção às regências de plantão impostas pela sociedade sempre em transformação, resulta considerar lícito como ainda provisório um primeiro não consentimento do paciente. É pertinente ao profissionalismo que  compreende que o respeito à  liberdade do paciente para com seus desejos, preferências, objetivos e valores inclui o bom esclarecimento tecnocientífico ao leigo que nem sempre ocorre no vapt-vupt do modo médico.

De fato, a habitual fragmentação causada pelas várias frentes de influências sobre o paciente necessita de tempo para uma síntese, especialmente, em situações de grande impacto sobre a qualidade de vida e a sobrevida. Nos nos esqueçamos do longo período de tempo de que o médico precisa para conhecer o que esclarece ao paciente. Para este, é um processo com muitos circunstantes, comumente exercendo opinião. Mas, resta indubitável que é primordial a opinião do agente moral da medicina que é o médico comprometido. O não do paciente ao médico só deveria ser considerado definitivo depois de esgotados os nexos possíveis. Caso contrário, o (não)consentimento pelo paciente cai na burocratização onde inexiste o tempo qualitativo pressionado pelo tempo quantitativo.

Assim sendo, diga-me bioamigo o que é exatamente a liberdade do paciente, um biótico integrado ao ecossistema da beira do leito contemporânea? O que significa na essência a palavra livre expresso como parte obrigatória no termo de consentimento? Não há uma amarra formal, mas, não podemos desconsiderar que o paciente está aprisionado pelo genoma, pelo sofrimento físico e psíquico, pelos temores, pelas vulnerabilidades, pelas indeterminações, pelos deveres éticos do médico, pelas regras do plano de saúde. Ao se sentir num labirinto, o paciente quer a liberdade  e, assim, acompanhar o fio de Ariadne rumo à saída passa pela aderência à medicina/médico.

José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque  (1867-1934) e Leopoldo Miguez (1850-1902) compuseram o refrão Liberdade! Liberdade! Abra as asas sobre nós para o Hino da Proclamação da República. Uma referência à abolição da escravidão. A conexão médico-paciente necessita de liberdade e de atuação. Que este refrão sobre uma exigência universal da existência humana possa inspirar a atuação cooperativa da Bioética da beira do leito/Bioética de todos nós!

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