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740- Ginástica de neurônios

É impossível parar de me questionar se a Bioética está sendo um efetivo instrumento para a qualidade da beira do leito brasileira. Pergunto-me se ela não estaria vez ou outra descambando para um exibicionismo moral no lidar com as tensões entre supostos menos capacitados. Não sei se nos tempos atuais de fascínio pela forma- diretrizes clínicas, por exemplo-, ela consegue dar o tom conveniente para a imaginação que formula e reformula atitudes em meio ao intelectual e ao emocional refém de muitas reclusões.

Estará ela, de fato, frente a narrativas de turbulências na beira do leito que crescem tendo inovações como etiopatogenia contumaz, cooperando para criar a nova arte da aplicação da ciência entre seres humanos, emissores e receptores da saúde manejada com alianças e com oposições momentâneas e instáveis?

O que tenho certeza é que não é fácil começar a se interessar por Bioética, mas uma vez engatado, é difícil desapaixonar. A ponte para o futuro de Van Rensselaer Potter (1911-2001) tem incontestável mão única de direção. Homenageando Lewis Carroll (Charles Lutwidge Dodgson, 1832-1898) e pegando inspiração em Alice no País das Maravilhas: porque sabemos para onde queremos ir, precisamos selecionar caminhos. E qual o deus Janus – origem de janeiro-, caminhar olhando para o futuro, mas sem fechar os olhos para o passado.  

A Bioética da Beira do leito entende que os profissionais da saúde de modo geral são usuários da Bioética, a praticam no cotidiano, embora nem sempre se deem conta do fato. É a Bioética de todos nós exercida com habilidade para peneirar relevâncias, imparcialidade em tomadas de decisão e bom-senso. Há um grupo à parte. São os praticantes conscientes que habitualmente se reúnem em comités, buscam a proporcionalidade entre abrangência e profundidade, mantém-se sempre em alerta, nunca alheios a detalhes e que consumem um pensamento crítico à moda da casa e lambem os dedos. Comparável ao corpo de bombeiros que tanto combate um grande incêndio quanto  resgata um gato de cima da árvore.

Mentalizo-os como verdadeiros dependentes psíquicos e que são usuários, viciados, traficantes e produtores da Bioética, tudo junto e misturado. Formam uma categoria de profissionais que se dispõem ao ofício por conta de peculiaridades pessoais de criatividade e de independência  que concentram num olhar especial. Este facilita enxergar como adequar o trânsito das realidades dos acasos da beira do leito pelos meandros das normas e as inconveniências das intenções por fluxo inverso, ou seja, querer impor o não desejado, sem descuido no enquadramento das adaptações numa moldura ética, moral e legal.

O investimento moral desta categoria de profissionais em atividade transdisciplinar precisa da diversificação pois, assim como há valor no desejo do ser humano de melhorar o tratamento visando beneficiar a outro ser humano, há valor também quando este hierarquiza eventuais malefícios associados e se manifesta de acordo com o livre-arbítrio. O grupo transdisciplinar no entorno da Bioética esforça-se por extrair tudo que possa ser entendido por merecimento.

Na pluralidade dos acontecimentos na beira do leito, teoria e prática carambolam e tacadas de modismos encaçapam inovações, determinando imposições nem sempre harmônicas com as tradições humanas da medicina. Exige-se a sabedoria da adaptação, um pé no freio para o cientificismo sem reduzir a aceleração da ciência, uma velocidade de cruzeiro para a tradição sem extrapolar para o saudosismo. Um desafio para a Bioética como efetivo instrumento de qualificação da beira do leito brasileira.

Os encontros na beira do leito são fontes sequentes de expectativas que se tornam realizações gratificantes ou frustrações. Cada mexida calidoscópica na medicina ou na sociedade abre um novo visual acrescendo às infinitas combinações de tensão entre ciência e humanismo. São nascentes e qual o rio que caminha invariavelmente para o oceano, produzem um fluxo de novidade pretendendo a direção do repositório de rotinas. A Bioética tem compromisso com cada bacia e suas oceânicas repercussões. De modo simbólico, atua sobre o doce e o salgado procurando evitar carências e excessos entre confrontos de exigência.

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