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731- Régua de risco (Parte 3)

IndicaçãoA contraindicação à aplicação de um método por risco proibitivo difere das situações de terminalidade da vida onde não existe previsão de o tratamento específico da doença principal influenciar o prognóstico. Por isso, a contraindicação ao uso no paciente em questão não deixa de conviver com uma utilidade resolutiva para um determinado órgão do caso.

Assim, a contraindicação não se alinha nem com o conceito de futilidade terapêutica – o método teria utilidade sobre a morbidade principal se não houvessem os cofatores associados-, nem com o conceito de obstinação terapêutica numa eventual aplicação surda ao altíssimo risco estimulada pelo próprio paciente. Tais distinções são esenciais para qualquer missão de desfazer por instrumentação ética as dobras morais da contraindicação por risco proibitivo.

O ponto fundamental é que a utilidade e a eficácia promissoras do método validadas para um determinado órgão passam a ser desconsideradas pelo potencial de dano ao organismo como um todo baseada na memória de um banco de dados. Quem pode afirmar se aquele paciente resultará nos 50% de sobrevida ou de óbito?

A metamorfose indicação-contraindicação baseada em evidências de vários pacientes reunidas num banco de dados e decidida por um número de corte é uma convenção atrelada ao atavismo hipocrático – primum non nocere. De certa forma, faz lembrar o Prêmio Nobel de Física Niels Bohr (1885-1962): o oposto de uma verdade profunda pode ser outra verdade profunda. E a verdade profunda do dano em potencial prevalece.

Uma análise crítica da medicina contemporânea de tantos benefícios e danos xifópagos revela que a prudência hierarquiza a grandeza da adversidade à terapêutica e faz a consciência do médico travar a aplicação. Arriscar sobre 50% seria decisão imprudente, algo como um cara ou coroa. O racional fica sendo que a validade de oportunidade para benefício à doença principal foi cogitada como uma visão tão somente da parte emersa do iceberg, porém a identificação do restante imerso precisa dominar a tomada de decisão.

Após esta consideração no modo paternalista, é necessário verificar o modo autonômico relativo ao paciente. Ele pode ser resumido como cada cabeça, uma sentença. Assim, se o paciente, porventura, avaliar que a recomendação proposta pelo médico tem um risco que lhe é proibitivo pela apreciação própria, a recusa a ser respeitada pelo direito ao princípio da autonomia não deve ser anotada como uma contraindicação, mas como uma indicação contrariada. É pormenor que visa a dar mais clareza a eventuais futuras contestações de natureza ética. Na situação oposta, em que o paciente insiste na realização, ele não será enquadrado numa obstinação terapêutica.

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