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714- Propósitos e realidades (Parte 3)

Armadilhas da linguagem não faltam na beira do leito. Uma causa é a dissociação entre emissão e recepção das palavras. É sabido como uma anamnese pode conter inverdades, não por má intenção do paciente, mas por dificuldades da memória. Assim como um prognóstico fundamentado pelo médico pode não resultar verdadeiro.  Há um valor no profetismo na beira do leito, é inegável, mas na conjunção com a verdade pode não passar de um esboço a respeito do real.

A Bioética da Beira do leito enfatiza que a beneficência e a (não)maleficência são previsões bem sustentadas e validadas, porém conceituais, a realidade  será o benefício e o (não) malefício, em caráter individual.

Em tempos onde falso ou verdadeiro é pergunta obrigatória e respostas são exigentes de um pensamento crítico apurado, desejo destacar que palavras falso e mentira no ecossistema da beira do leito não devem ser, em princípio,  entendidas como produtos de má-fé, mas como dois termos que representam sentidos opostos de expectativas. São expressões do que, eventualmente, veio ou não a acontecer, e para as quais o médico por mais clarividente que seja não possui onisciência. Até porque, mentir pressupõe que se conheça ou se creia conhecer a verdade, no caso a evolutiva. Havendo fidelidade à medicina e ao que se pensa, não haverá má-fé, não será falta de ética, e, portanto, os termos mentira e falso  quando eventualmente aplicados não carregam o sentido comum que tem sido observado atualmente na sociedade em geral.

Há boa-fé consigo e com o outro. A indeterminação é que tomou um rumo, mas ela nunca terá sido inconsistente, pois, sustentada pela prudência e zelo. Compromisso com a verdade, um valor do médico ético, não é oposto a enganos de previsão sob influências plurais.

Este aspecto da comunicação na beira do leito faz lembrar de Eubúlides de Mileto (384 ac-322 ac) que indagou: Um homem diz que está mentindo. Ele diz a verdade ou mente? Criou-se, assim, o paradoxo do mentiroso, que desafia estudiosos da lógica. Esta dúvida inspira uma adaptação para a beira do leito no âmbito da Bioética: Um médico contraindica ou não vê indicação num procedimento desejado pelo paciente. Ele está priorizando a não maleficência/não beneficência ou está desrespeitando a autonomia? A verdade da consciência profissional versus um equívoco da condição humana?

A dificuldade está no fato de proposições e potencialidades cogitadas não representarem evoluções já de fato realizadas. Haverá um processo biológico cujo curso responde heterogeneamente às interrogações e prejudica qualquer sentido de pragmatismo nas respostas sobre falso ou verdadeiro. Isto porque todo método em medicina admite-se na metáfora do bastão. A validação do método indica que há uma extremidade benéfica, portanto, recomendável, porém, a prudência alerta que a outra extremidade contém potencialidades danosas. Assim, qualquer avaliação binária do método fica sujeita a imprecisões. A lógica do terceiro excluído ( A é A; A não é não-A; não existe ao mesmo tempo um termo que é A e não-A) não se aplica.

Pela metáfora do bastão, entretanto, fica justificável que não há contradição em considerar que um método é ao mesmo tempo A (carrega beneficência) numa extremidade e não-A (carrega maleficência) noutra extremidade, ou seja, é, simultaneamente A e não-A, assim, adsorvendo da física quântica a lógica do terceiro incluído (um termo T com ambas características).

A Bioética da Beira do leito entende que  interpretações sobre o compromisso do médico com a medicina validada tenham extrema cautela  com entendimentos superficiais sobre É vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência (Art. 1º do Código de Ética Médica vigente), para evitar etiquetagens de falso e mentiroso nas frustrações de expectativas.

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