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697- Médico de verdade, médico da verdade (Parte 2)

Estou chegando de um Congresso. Participei de uma mesa sobre um tema que se repete há 30 anos. A novidade é que há métodos diagnósticos e terapêuticos novos, mas a discussão sobre quando usar é a mesma de antigamente.  Sem consenso, o cirurgião com sua personalidade de resolver pelas intervenções e o clínico com sua personalidade de revolver intenções.

Os debatores envolvidos estudam o tema e têm larga expertise, conhecem medicina e ser humano, fazem o bem todos os dias e, no conjunto, não conseguem evitar desacordos. Há, pois, algo a mais na beira do leito do que evidências científicas. Incertezas e probabilidades continuam fortes ingridientes do processo de tomada de decisão.  Não há rascunho para cada caso, os casos prévios fazem as vezes. Sempre haverá algo desconhecido, inevitável, até mesmo surpreendente, transformando casos em acasos.

Antes que a inteligência artificial domine a beira do leito e faça a recomendação-estado da arte, como se prevê, é fundamental mergulhar nas camadas mais profundas da construção da medicina para não se esquecer que a realização da medicina de verdade nunca foi do domínio das ciências exatas. Até a nobre estatística é alvo de criticas pesadas.

A Bioética reconhece as zonas cinzentas mais do que a Ética. Quando há a possibilidade de escolhas, há mais  suporte nos princípios da Bioética do que no É vedado ao médico do Código de Ética Médica. O amadurecimento profissional significa, justamente, desenvolver um modo de ser médico que possa responder no espelho profissional à indagação: quem sou eu como médico?

Mesmo paciente constitui casos  distintos para dois médicos com grande frequência, o que não significa que um seja mais médico do que o outro na óptica ética, a eventual superioridade cabe no plano da visão do paciente. É da condição humana e o equilíbrio está na proporção caso a caso entre ciência e humanismo. Cada especialidade, cada diagnóstico terá suas peculiaridades de vedação e de imperativos para a realização. Ortotanásia, paliação, obstinação terapêutica são termos novos que apontam para o movimento pendular que existe na beira do leito e não significam que o profissional é menos médico, há substituições entendidas mais humanas.

Por mais que a medicina caminhe sobre objetividades, a experiência subjetiva acontece e dá tons de cinza a momentos de mais ou menos conformidade com o que se espera do profissional. Por isso, como medicina é singular, há o termo exercício da medicina como forma de indicar a pluralidade.

A Ética afirma que o médico não pode ser nem imprudente nem negligente, é infração. Aplausos! Mas, aqui entre nós, o que significa exatamente ter se desviado da prudência ou do zelo? Certamente, cabem zonas de transigência, quem frequenta a beira do leito pode assegurar.

Assim, qualquer interpretação de imprudência ou de negligência não pode prescindir do olhar da Bioética que carrega a flexibilidade exigida na humana conexão médico-paciente. Não a flexibilidade de cunho eminentemente corporativista, mas a flexibilidade que se alinha com a moralidade de escolhas influenciáveis por preferências, desejos, valores e objetivos repletas de significados distintos dos das evidências tecnocientíficas.

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