PUBLICAÇÕES DESDE 2014

693- O não consentimento do paciente, uma minoria forte (Parte 4)

Não faz mais de 60 anos que alegações de má prática médica alinharam-se a falhas na comunicação de benefícios e riscos ao paciente. Desde então, firmou-se o preceito do consentimento livre e esclarecido sustentado pelo princípio da autonomia exercido pelo paciente. Sim é Sim! Não é Não!  Sinal verde, sinal vermelho. O amarelo  não cabe.

Vingou o entendimento que o exercício da autonomia pelo paciente capaz é bom em si, independente de possíveis consequências e que ele promove o bem-estar do paciente pela melhor escolha coerente com seus valores e objetivos. O corpo ao paciente pertence e justifica a liberdade para que ele decida acerca de intervenções recomendadas pela medicina. O direito ao exercício da autonomia pelo paciente influencia, pois, a arte de aplicar a ciência. Entre a prudência da recomendação e o zelo da realização há a cancela do consentimento do paciente que pode gerar impedimentos à progressão do cogitado.

A medicina contemporânea é admirável. E supõe-se que no curto prazo ultrapassará qualquer projeção mais criativa e otimista. Suas características marcantes incluem a pluralidade de métodos diagnósticos, terapêuticos e preventivos eficientes que convive com os critérios validados para aplicação, o acolhimento a controvérsias e a aceitação da convivência de tradições e inovações. A expressão estado da arte ajuda a compreender que se trata da orientação mais qualificada para o momento da medicina. Os conhecimentos, as habilidades e as atitudes são dinâmicos, qual um rio, novas águas fluem incessantemente e muito da literatura recente é rapidamente substituída num carrossel sem fim.

O caráter social da medicina faz necessário que a beira do leito considere fortemente a diversidade da condição humana. Acresce que doenças costumam ter uma história natural, cada fase tem um alinhamento da medicina e cada paciente tem seus momentos de vida mais ou menos receptivos a orientações heteronômicas. A verdade acaciana que as diversidades exigem da medicina a participação intercessora do médico. Por isso, há que se supor que os esclarecimentos dos médicos sobre diagnóstico, opções de tratamento, prognóstico, benefícios e riscos são distintamente enxergados pelos pacientes em função de preferências, temores, preocupações com custos, avaliações de sofrimento, qualidade da vida e, inclusive, interesse em sobrevida. É indiscutível que, face a tantos  direcionamentos, a imperiosa presença da moralidade prevalece quando a compaixão domina os comportamentos qualquer que seja o cenário vigente.

Desta forma, é praticamente impossível existir um modelo de esclarecimento ao paciente que possa ser considerado universal, que satisfaça a todos os médicos, a todos os pacientes e a todas as circunstâncias de necessidades de saúde. Menos prêt-à-porter e mais alfaiataria. É habitual haver interesses médicos e não médicos envolvidos numa tomada de decisão na beira do leito, razão pela qual a indicação básica é apresentar fatos clínicos e recomendações contidas na medicina. A orientação de fazer o que se supõe que um médico padrão que conhece o tema faria em circunstâncias similares para um paciente padrão. Evidentemente, definir o que é padrão não é fácil, especialmente quando há uma população multicultural e pluriétnica a ser atendida com o máximo de respeito a seus hábitos e normas. A maturidade profissional vai alinhavando as incorporações da vivência profissional a serem aproveitadas nos esclarecimentos ao paciente, caso a caso, até sobre paralelos fatos da vida. Por isso, a grandiosidade de o paciente dizer o meu médico, e este referir-se a meu paciente. Este sentido de posse conecta.

Aspecto discutível é sobre a quantidade dos riscos dos métodos que o médico deve informar ao paciente. Há riscos comuns a vários métodos e há riscos específicos, há riscos desprezíveis e há riscos que podem ser muitos danosos e gerar sequelas. A recomendação que entendo mais aconselhável é o médico deixar de lado os mais banais e focar nos mais relevantes para as circunstâncias do paciente, inclusive aqueles informados pelo paciente, como um histórico de alergia. Como toda questão de limite é polêmica.

Uma bula de fármaco, por exemplo, é extensa nas adversidades cogitáveis por uma visão própria da indústria farmacêutica. Eventuais inobservâncias do médico ao paciente na beira do leito sobre potenciais de risco que vierem a se realizar na evolução podem ser ajuizados como descaso de esclarecimento ou mesmo como indícios de um erro de aplicação da medicina, já que, supostamente, não eram para acontecer. Fica sempre no ar a dúvida sobre o quanto a exposição de uma totalidade de riscos pode ser prejudicial para as condições mentais e emocionais do paciente, sugerindo que uma certa discrição pode ser justificável em nome do impacto possível.  Assim, pode haver dano por falar e por não falar. Não há diretriz, muito menos a chance do rascunho.

Ajuda muito quando o paciente se dispõe a participar ativamente do processo de esclarecimento, dialogando, fazendo perguntas – inclusive apoiado em pesquisa na internet-, testando mesmo a experiência profissional, dando a sensação que está fazendo parte do time que cuida do que é preciso cuidar e, muito importante, assim faz aprofundar a confiança no profissional e endossa a moralidade do que é proposto. A demonstração que o paciente está vivamente interessado nos vários aspectos do planejamento, execução e evolução cumpre a recomendação que não basta o médico informar, o paciente necessita compreender.

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