PUBLICAÇÕES DESDE 2014

687- Afaste da beira do leito o cale-se (Parte 3)

A indagação boa decisão para quem? amplia a abrangência do ensinamento de William Bart Osler (1849-1919): O grande médico, mais do que a doença trata o paciente que tem a doença, e, assim, é importante saber da pessoa que tem a doença. 

Juntando as pontas, qualificar-se para uma boa tomada de decisão requer que o médico entenda como entender o paciente. É entendimento essencial que embute o respeito  pela pessoa sob seus cuidados em seu amplo sentido. Por isso, a validade do treinamento em comunicação para a justa versão do dialeto da medicina para o dialeto do paciente. O calar fundo que significa dar acolhimento, valorizar a verdade e manifestar tolerância no processo de tomada de decisão é a única expressão admissível com o verbo calar na beira do leito.

Neste final da segunda década do século XXI de tantos recursos tecnológicos, o que vem a ser considerado uma tomada de decisão qualificada para aplicação da ciência com arte? Há tantas respostas que no fim falta uma definição concisa. Pinço uma: é a tomada de decisão de um médico que se dedica com empatia, se compromete, ouve, recomenda, insiste, raciocina, valoriza a prudência, re-explica, reajusta, solidariza-se, tolera, procura ajuda, trabalha pelo benefício, esforça-se para reduzir o malefício, tem a confiança do paciente/família. Ufa!

Há uma pluralidade de atitudes do médico para único paciente. Pelo bem, certo conjunto pode ser o obrigatório, contudo, seus componenets devem informados, esclarecidos e receber o consentimento do paciente. São muitos encontros nas interfaces médico-medicina e médico-paciente, cada qual exigindo escolhas com  a responsabilidade profissional da recomendação e a responsabilidade do paciente a respeito de eventual não anuência e não adesão- provisória ou definitiva. De alguma forma, médico e paciente quando entram no território do outro provocam reestruturações e é a (boa) comunicação que permite que as transferências aconteçam com mútua receptividade.

Alguém discorda da definição acima de boa decisão para quem? Pouco provável, pois há plausibilidade na composição. Evidentemente, pode-se alterar a ordem mencionada da multitarefa, muito embora não tenha havido nenhuma intenção de hierarquização. Idealmente, quando os passos profissionais são expostos, comentados e ajustados desde o primeiro contato com o paciente, a tomada de decisão adquire a conotação de processo com vívidas convertibilidades e maior probabilidade de convergência de vaivéns de opiniões.

Pelo volume e pela pluralidade dos atendimentos na beira do leito, dissintonias de tomadas de decisão não podem inexistir na conexão médico-paciente contemporânea. Uma das causas são certos comportamentos do médico que ultrapassam uma fronteira convencionada. Eles incluem: a) interferência coercitiva  (no afã de aplicar o que entende ser um benefício, o médico fala palavras em tom de ameaça sob aspectos administrativos, exorbita acerca da sobrevida ou de sequelas graves); b) desvio da intenção manifesta pelo paciente (para outra não informada); c) alta hierarquização da sua aptidão profissional  que dá a entender ao paciente que, como leigo,  é incapaz de fazer boas escolhas sobre a própria vida.

Entendo que o conjunto de atributos do médico para desenvolver uma tomada de decisão qualificada guarda um aspecto ontológico e tem uma forte correspondência com o senso paternal, ou seja lembra a proteção e o carinho de pai. É essencial ante vulnerabilidades expostas pela doença e atitudes regressivas do paciente. Mas, tem uma dose a ser respeitada.

Onde é que eu quero chegar? Que o médico preparado para tomar uma decisão bem sustentada e bem comunicada é paternalista. Assim direto? Sem dúvida, pois desdizeria qualquer significado de relação médico-paciente por mais ajustado à contemporaneiradade brasileira.

A imagem persiste há 26 séculos. É desde Hipócrates (460ac-370ac),  não à toa cognominado o Pai da Medicina que viu refletir um ser humano no espelho da medicina. Aí vem o drama: o paternalismo passou a ser decodificado como mal da beira do leito. E porque um mal? Porque interfere com a autonomia! Parece-me reducionista, pois há várias escalas de convivência entre a extremidade do paternalismo profissional e a extremidade do direito do paciente à autonomia.

Inexiste algo na natureza sem uma razão. Também no ecossistema da beira do leito. A prática de desumanidades por um lado e o ganho de consciência sobre direitos humanos por outro provocaram a ascensão da participação ativa do paciente no processo de tomada de decisão. Contudo, salvaguardas peal autonomia não invalidam atitudes de paternalismo brando. O prontuário pertence ao paciente e a elaboração é feita pelo profissional da saúde, realidade que se alinha à reciprocidade de influências.

COMPARTILHE JÁ

Compartilhar no Facebook
Compartilhar no Twitter
Compartilhar no LinkedIn
Compartilhar no Telegram
Compartilhar no WhatsApp
Compartilhar no E-mail

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POSTS SIMILARES