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681- Estou sendo claro?

Crédito: https://www.coladaweb.com/portugues/problemas-comunicacao
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A comunicação médico-paciente é via oral, mas atua como se fosse direto na veia. O nível terapêutico corre o risco, não infrequente, de beirar o o tóxico.

Receptores no paciente nem sempre estão disponíveis. É causa de desentendidos. Na beira do leito cabe bem a afirmação de George Bernard Shaw (1856-1950): O silêncio é a mais perfeita expressão do desprezo. 

A cena é recorrente: o médico faz uma comunicação que julga bem convincente e o paciente recebe com forte oposição. Após uma segunda opinião ou segunda reflexão, as mesmas palavras, agora por outro médico soam autoevidentes para o paciente. O tempo é uma ferramenta na conexão médico-paciente.

Inexistência de vaivéns entre aceitações e recusas é inabitual nos processos de comunicação na beira do leito.  O respeito à autonomia do paciente e a tolerância do médico convivem com a possibilidade de um Não hesitante evoluir para um Sim definitivo.

Transformar medicina em palavras não é tarefa fácil. A pluralidade de significados é infinita. Pacientes têm dificuldade em precisar suas queixas do modo quantitativo, qualitativo e cronológico que o médico gostaria de ouvir, e, de maneira reversa, médicos têm dificuldades em acertar a boca para explicações, orientações e compreensões. Uma prova da dificuldade é a qualificação do termo de consentimento que lembra que ele necessita de precisão técnica e vernácula de esclarecimentos.

Diferenças entre comunicação e incomunicação incluem a clareza com que o emissor provoca no receptor que no caso da beira do leito sofre influência de um conjunto de decodificações específicas de natureza múltipla, por exemplo, da memória, da motivação, do estresse vigente. É complexo a comunicação tornar-se exata. Não infrequente, a imaginação, o desejo ou a simplificação preenchem lacunas de emissão ou de recepção e arriscam ao equívoco.

No campo da literatura médica, há um fenômeno análogo, conclusões de pesquisas costumam ser apresentadas de modo cauteloso a fim de evitar expansões imaginativas do leitor, na consideração de hipóteses diagnósticas na beira do leito, o leque é cautelosamente deixado aberto, recomendações assistenciais por mais que apresentem uma perspectiva otimista de sucesso são cercadas por detalhamentos de potencias malefícios.

Apresentações estatísticas sobre o prognóstico podem não representar o real futuro. Intenções de não cumprir as ordens médicas são disfarçadas por palavras ambíguas do paciente. Familiares desejam evitar certas palavras para pacientes graves e pacientes solicitam ao médico sigilo para familiares, ou até para si mesmo. Irá tudo bem é desestressante para médico e paciente, morte é tabu. Cada especialidade tem seus comportamentos.

Atualmente, a conexão médico-paciente não presencial cresce e traz novas formas de comunicação exigentes de muita atenção ética, pois como se sabe, a medicina nasceu quando Hipócrates eliminou a conexão não presencial deuses-paciente e assim persiste alicerce ético como demonstra o Art.  37  do Código de Ética Médica vigente: É vedado ao médico prescrever tratamento e outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizálo, devendo, nesse caso, fazêlo imediatamente depois de cessado o impedimento, assim como consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa.

Comunicar má notícia é uma arte que se desenvolve, mas comunicar boa notícia também não deixa de ser, pois a forma pode, não somente, comprometer o sentido de boa, como também, deixar alguma matéria-prima para indignações se o resultado for frustrante. Exagerar nas adversidades e dizer que é tão simples que irá operar com uma mão só são ilustrativos.

Em décadas passadas, ouvia-se mais dizer que aquele doutor era um charlatão, o que subentendia que superava as lacunas clínicas com uma boa comunicação, especialmente, saber o que o paciente gostaria de ouvir. Parecia vantajoso para situações com excesso de componente emocional, pois ao invés da comunicação sobre procurar afastar uma série de doenças que preocupariam obedecendo protocolos, havia a mensagem de pronta resolução. Uma lição a ser avaliada sobre para ajustes de comunicação que, embora enviesada, guarda alguns aspectos levantados pelas contraposições entre beneficência, não maleficência e autonomia, numa escala entre a hipocondria e a doença real.

A Bioética da Beira do leito entende que a transdisciplinaridade da beira do leito não pode prescindir de saberes que possam cooperar para traduzir do idioma científico para o leigo e vice-versa do modo mais empático, eficiente e sincero em momentos de acréscimo de vulnerabilidades pela enfermidade. A qualidade da interlocução fortalece os elos da conexão médico-paciente e tem efeitos terapêuticos e preventivos.

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