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674- Não vaciLe, vaciNe

Um fim da picada é o fim da picada! Uma verdade em termos de vacinação. Há um surto de sarampo entre nós, que se encaixa no dito popular que se dor (na aplicação da vacina) é inevitável, sofrer (da doença pela falta da vacina) é opcional.

É interessante como o impacto positivo da vacinação na mortalidade infantil e na expectativa de vida de modo geral, como o desejo por novas disponibilidades de vacina – contra a dengue, por exemplo- e como o endosso dos profissionais de saúde à segurança das vacinas- exercido pelos pediatras  diretamente nos atendimentos, por exemplo-são insuficientes para eliminar focos do movimento antivacina. Reflexões sobre os limites do direito à autonomia pelo cidadão suscitam analogias com o paradoxo da tolerância: como tolerar a intolerância?

O ser humano onde estiver convive com bactérias, fungos e vírus. Há bactérias do bem nossas hóspedes na boca e no intestino e fungos nos encaminharam aos antibióticos. Um vírus da varíola do gado (vaccinia) deu a pista para o conceito da imunização/vacinação.

Porém, o trio invisível causa infecções e o contágio pessoa a pessoa é  modo de sobrevivência deles. O que para nós é uma tosse, uma diarreia ou uma erupção a serem combatidas, tais sintomas para os micro-organismos são formas de perpetuação da espécie pela propagação. Como disse o biólogo evolucionista Jared Mason Diamond (nascido em 1937) no livro Armas, Germes e Aço, numa figura de linguagem, os germens não desejam nos matar pois seria a morte deles, também; eles querem é provocar uma sucessão de vetores (sintomas contaminantes) para manutenção da espécie. Poderíamos, então, até conjecturar que eles não se recusariam a serem vacinados contra a imunização humana. De fato, o desenvolvimento de resistência a antimicrobianos, o aparecimento de superbactérias, as mutações de modo geral, enfim, não deixam de ser lições do inimigo sobre sobrevivência.   

Armas Germens Aço  

Eu nasci na mesma década em que os vírus descobertos ao final do século XIX foram pela primeira vez visualizados graças ao poder do microscópio eletrônico. Fiquei doente pelas doenças que se chamavam da infância, o vírus da caxumba inchou o meu pescoço, o vírus do sarampo e o vírus da varicela me pintaram todo -além da bactéria da  coqueluche que me provocou acessos de tosse. Felizmente, superei todas com a ajuda da imunidade natural. Já meus filhos e netos evitaram pela imunidade conferida pelas vacinas, fruto do Programa Nacional de Imunização instituído em 1973, cerca de 70 anos após a Revolta da Vacina pela população do Rio de Janeiro contra a vacinação obrigatória anti-varíola orientada por Oswaldo Gonçalves Cruz (1872-1917). Razões e emoções não faltam na trajetória universal e brasileira da vacinação!

De uma maneira curiosa, se por um lado, a descoberta da vacina aconteceu mediante um comportamento amoral do inglês Edward Jenner (1749-1823), por outro lado, o desenvolvimento dos programas de vacinação trouxe o dever moral de cada indivíduo com a própria – e dos dependentes-imunização objetivando a sua e a saúde dos concidadãos. A alta proporção de obediência ao calendário de vacinação cria uma barreira de proteção contra a presença de um eventual infectado. Campanhas de vacinação facilitam a manutenção da conquista anti-viroses no contexto da Saúde  Pública. Um aspecto indiscutível na alocação de recursos.

Cerca de 200 anos após um confiante Jenner ter alcançado um benefício para a humanidade por uma pesquisa antiética, outro inglês, o médico Andrew Wakefield (nascido em 1957) publicou o que seria uma relação entre autismo e enterocolite com a vacina tríplice (sarampo, caxumba e rubéola). Atuação antiética – o doutor foi condenado por fraude- que, agora, representou um malefício para a humanidade. Nunca se sabe até onde podem chegar consequências do antiético.

Vinte anos depois deste desserviço, núcleos de quebra de confiança na segurança de programas de vacinação da população ainda se fazem presentes. O consequente enfraquecimento dos elos protetores da população resultou no aumento expressivo de casos de sarampo a partir de 2016. O efeito bula é forte, multiforme e desafiador da prudência.

Cientistas foram atrás do prejuízo. Recentemente, pesquisadores dinamarqueses concluíram do acompanhamento de 657 461 crianças nascidas entre 1999 e 2010, perfazendo 5 025 754 pessoas-ano de seguimento, que é improvável até mesmo um mínimo risco de autismo após o uso da vacina tríplice. Mais especificamente, os autores não observaram nem aumento do risco de desenvolvimento de autismo, nem um gatilho em crianças suscetíveis, nem um grupo de casos de autismo após a vacinação. Uma pá de cal na sobrevida da fraude? A pluralidade da condição humana permite tão somente a expectativa otimista.

O poeta pioneiro Hesíodo (viveu  em torno dos anos 700 ac) já ensinara que uma cidade inteira pode sofrer pela atitude de um homem-demônio. No caso em questão a repercussão é no planeta. O diabolismo por meio de fake news. A irresponsabilidade propagada despertando um risco adormecido para a saúde. Insensatez e ignorância distorcendo evidências científicas e clínicas.

Vacina é prevenção, vacina é tecnologia, vacina é segurança. Técnicas para proteção segura da saúde do ser humano interessam à Bioética. Os princípios da Bioética cooperam para a análise crítica de conceitos, indicações e efeitos. A equidade está muito bem respeitada no calendário de vacinação brasileiro. O princípio da beneficência está contemplado na imunização comprovada. O princípio da não maleficência não colide pela baixa incidência de adversidades. O princípio da autonomia é o mais acionado. O seu aspecto capital é a manifestação do paciente/responsável sobre o seu interesse na própria/tutelado saúde versus proteção de danos na população.

A desconstrução do movimento anti-vacina admite intenções calcadas na Saúde Pública a serem desenvolvidas por gestores da Saúde, responsáveis por redes sociais, profissionais da mídia, pesquisadores científicos e profissionais da saúde. Uma questão de âmbito moral é polêmica: Considerando que a hesitação em se vacinar é uma das dez maiores ameaças globais à saúde em 2019, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), assim, dando conotação de crime contra a humanidade, até que ponto é justificável aplicar sanções contra pais e responsáveis que se recusam a vacinar as crianças? Ademais, o Estatuto da Criança e do Adolescente  inclui o  Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos. § 1o  É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.

Homenageando Chacrinha (José Abelardo Barbosa de Medeiros, 1917-1988, que cursou até o segundo ano da Faculdade de Medicina): Quem não se vacina se trumbica- arruína a si e a demais.

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