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670- Prognóstico, liberdade prática e não-liberdade teórica (Parte 2)

A relação da beira do leito com a liberdade traz uma conotação política à consultoria em Bioética. Valoriza-se  o  diálogo na pluralidade das considerações sobre verdades e desaconselham-se imperativos de pontos de vista.

Vaivéns mentalizados e vocalizados constroem  escolhas para tomadas de decisão desde o endosso irrestrito a uma recomendação médica cientificamente consensual IA até sua negação de caráter niilista pelo paciente. Protagonistas do possível, profissionais da saúde, paciente e consultores em Bioética lidam com expectativas idealizadas buscando alinhamentos com os contornos do prognóstico- clínico, ético e legal.

A vivência na beira do leito introjeta o alerta sobre as inconveniências da prática de simplificações ou visões unilaterais a respeito das oportunidades virtuosas no prognóstico, por exemplo, o médico impor um maquiavélico o mau prognóstico da doença é justificativa bastante para indiscutível aplicação de determinado método terapêutico.

Na verdade, as projeções a respeito do prognóstico exigem a mais ampla e possível integração das visões do médico ético e do paciente (bem)esclarecido entre decorrências da evolução natural da enfermidade, benefícios terapêuticos/preventivos presumíveis, malefícios em potencial previsíveis e, se já não houvesse uma combinação excessiva, a participação do desconhecido – temor muito conhecido dos médicos atuantes e influente sobre certos pacientes.

A experiência profissional temperada pela experiência coletiva via literatura médica é o liquidificador (raciocínio clínico) que homogeniza todos partícipes do prognóstico para cada paciente (individualização). O homogeneizado é, portanto, válido para aquele caso e justifica o paternalismo brando na recomendação do médico ao paciente – a orientação que alia a autoridade do saber com o comprometimento profissional.  Insisto, o paternalismo brando não colide com o direito do paciente à autonomia, pois ele não pratica nem coerções nem proibições.  Lembremos do refrão do Hino da Proclamação da República (letra de José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque, 1867-1934, e música de Leopoldo Miguez, 1850-1902) para aplicação na beira do leito:

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!

A Bioética da Beira do leito entende que se faz necessário o alinhamento entre autonomia, paternalismo, liberdade e autoridade na beira do leito. A prudência endossa. As estatísticas endossam. Destaque-se que na maioria das beiras de leito o paciente dá o consentimento sem ajustes relevantes à recomendação do médico e, assim, uma harmonia da composição. Deste modo,a conexão médico-paciente sintoniza-se majoritariamente numa obediência que não é exigência, muito menos um poder de violência do médico em nome do estado da arte em medicina. Confiança é o valor que dá forte amálgama à  integração autonomia-paternalismo-liberdade-autoridade às verdades do prognóstico.

O autoritarismo – médico centralizador- não deve ser confundido com a autoridade profissional calcada na ética e nas leis. A preocupação com eventual abuso de autoridade é sempre necessária, mas, não deve prejudicar o uso da tecnociência por visões apriorísticas de excessos, haja vista que o que costuma predominar na beira do leito é a boa fé do médico, ou seja, uma sinceridade sobre o valor da sua recomendação para o prognóstico do caso. Infelizmente, níveis de desconfiança do paciente sobre o médico fazem-se presentes na atmosfera de certas beiras do leito contemporâneas, poluições que reduzem a oxigenação do prognóstico.

Tudo isso implica no gigantesco significado do imprescindível esclarecimento ao paciente visando ao seu consentimento. O objetivo da compreensão é o favorecimento do prognóstico na  manifestação do consentimento. Uma licença para aplicar. Evidentemente, cada circunstância clínica, sintomas ou não sintomas, influências ou não na qualidade de vida e eletividade/urgência/emergência, exercem proporção na ênfase sobre o bem ou o mal. Óbices dos mais presentes na equação do consentimento pelo paciente são os desvios de hierarquização dos efeitos adversos. O respeito aos conflitos entre mim e mim mesmo pelo paciente bem abastecidos pelos esclarecimentos constitui apuro na tolerância do médico que é devida na beira do leito contemporânea.

Reproduzo trecho do livro Entre o Passado e o Futuro de Hanna Arendt (1906-1975), pretendendo acrescer reflexões ao tema pelo bioamigo:

“… Em seus esforços para encontrar um princípio legítimo de coerção, Platão foi guiado originalmente por um grande número de modelos baseados em relações existentes, tais como a relação entre pastor e suas ovelhas, entre o timoneiro de um barco e seus passageiros, entre o médico e o paciente (grifo nosso) ou entre o senhor e seu escravo. Em todos esses casos, ou o conhecimento especializado infunde confiança, de modo que nem a força nem a persuasão sejam necessárias para obter aquiescência, ou o regente e o regido pertencem a duas categorias de seres completamente diferentes, um dos quais já é, por implicação, sujeito ao outro, como nos casos do pastor e seus rebanhos… Nenhum homem, mas somente um deus, poderia relacionar-se com seres humanos da mesma forma com que o pastor se relaciona com suas ovelhas…”.

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