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648- Um sonho do robô de branco (Parte 1)

Robô de brancoA Bioética da Beira do leito rejeita qualquer ideia de tribalismo na beira do leito, de endeusamento de métodos e conceitos, vale dizer, a amplidão de potencialidade de seleções de disponibilidades teóricas e práticas da medicina permite fazer composições mais ajustadas às circunstâncias de cada caso clínico. Os modismos que são observados de modo recorrente alertam para a necessidade da visão crítica comprometida com o espírito de estado da arte para qualquer inovação e novidade a ser recomendada e aplicada na beira do leito.

Justificativas para uma atitude binária-  ou pró ou contra- acerca da tecnociência na área da saúde costumam tocar num fanatismo, numa glamourização preocupante porque tende a hierarquizar desejos sobre constatações. A coleção de legitimidades do binarismo é pequena, destacam-se a retirada da medicina dos deuses efetivada por Hipócrates (460ac-370ac) e a relação presencial humana entre médico e paciente.

O endeusamento de um método de conexão indireta entre médico e paciente foi inaugurado no início do século XIX quando René-Théophile-Hyacinthe Laennec (1781-1826) inventou o estetoscópio; médicos passaram a ir a Paris conhecer a inovação e pacientes lhes exigiam a nova habilidade trazida na bagagem de volta.  O tempo encarregou-se de dar discernimento ao uso do estetoscópio, ele se tornou uma disponibilidade com funções específicas.

Atualmente, passados 26 séculos de terem perdido a medicina na Grécia, é de se pensar que os deuses se vingam globalmente, face à concepção que a medicina está sendo retirada do humano e entregue à endeusada tecnologia. É o cenário presumido de um ecossistema da beira do leito de sonhos e… pesadelos. Onde? No seu local de trabalho, por exemplo…  A gigantesca aceleração dos acontecimentos traz uma conotação de irreversibilidade do domínio da tecnologia da informação e da comunicação no curto prazo na beira do leito. A Bioética da Beira do leito interessa-se por uma visão crítica sobre qualquer sentido de tribalismo de máquinas, de maniqueísmo entre inteligência natural e artificial, de endeusamento do aperto de um botão. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra.

Você, bioamigo, virá a ter um robô de estimação, ou, quem sabe, correrá o risco de se tornar o humano de estimação de um robô? Como sugerido por Stephen Hawking (1942-2018), a inteligência artificial não é limitada pela biologia, uma grande vantagem, especialmente, quando se previne o desgaste de material.

Bertrand Russell (1872-1970) nos ensinou que receios são a principal fonte de crença em ilógicos, em ideias mesmo em ausência de fundamentos e no temor a inofensivos. Estamos exagerando pelo medo? Pode ser, mas, vale o alerta de Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616) sobre ocasiões em que não podemos nem comprovar nem refutar e, assim, devemos ficar espertos: “… Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay…”.  Um receio de classe é que a expansão da altíssima tecnologia organize o exercício da medicina de tal maneira que desvalorize a necessidade da experiência profissional direta com o paciente.

Meus 50 anos de profissão mostraram-se que o médico é um profissional da constante reinvenção. Somaram-se momentos de insônia, sonhos  agradáveis, pesadelos e até de sonambulismo profissional desencadeados por inovações, expectativas e incógnitas. Pela primeira vez, contudo, percebo no ecossistema da beira do leito, sensações de ameaça ao ser médico que afloram o instinto de sobrevivência profissional.

Verdades e interesses se confundem na interpretação de sonhos de plantão, anseios profissionais. A extensa relação de forças multidimensionadas faz o médico sonhar-se em presumíveis cenários profissionais. Neurocientistas afirmam que o mundo onírico ajuda a enxergar o que está acontecendo e o que está prestes a acontecer, e, assim, é bom sonhar para simular cenários possíveis sem eventuais riscos. Não dispomos de muito tempo, todavia. Entretanto, pode-se ganhar tempo, se conhecermos sonhos de nossas fontes de receio sobre o domínio do ecossistema da beira do leito. O robô de branco pode nos ajudar.

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