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636- Bioética da Beira do leito 2019 (Parte 9)

Princípio da Beneficência: Alinha-se ao dever moral de praticar a potencialidade de utilidade e eficácia de métodos validados em disposição recíproca com o paciente. A história da disposição farmacológica do ácido acetil salicílico é emblemática na compreensão da disposição recíproca: a) Hipócrates recomendava o uso da casca e de folhas do salgueiro como analgésico (disposição recíproca como fruto de uma observação popular, sem conhecimento do princípio ativo- salicilina); b) o reverendo inglês Edward Stone (1702–1768) comprovou sua teoria que a divina providência coloca o remédio próximo à doença ao constatar a presença de árvores do salgueiro num pântano que originava a febre dos pântanos- uma leptospirose (reciprocidade recíproca vista do lado do paciente); c) síntese do ácido acetil salicílico em laboratório (imersão da disposição recíproca na ciência); d) expansão do benefício analgésico, antipirético e anti-inflamatório para a antiagregação plaquetária (disposição recíproca por uma propriedade desreguladora da fisiologia); e) formulação de desintegração entérica (evitação do desestímulo ao uso do benefício).

O princípio da Beneficência articula-se com a chamada Disposição Recíproca, a mútua integração entre método a aplicar e  organismo do paciente a receber. Por exemplo, um fármaco deve ser um composto formulado de modo a poder se integrar num organismo humano e o doente precisa ter a capacidade de integrar por determinada via e de processar as propriedades do método. Ou seja, uma disposição farmacológica.

 Cabe, neste ponto, a metáfora do sal e da água para ilustrar a disposição recíproca: o sal tem a propriedade constituída pela natureza de se dissolver na água onde quer que ele esteja, perto ou longe da água. A água tem a propriedade de dissolver o sal, onde quer que ela esteja, perto ou longe do sal. A criança não nasce sabendo disto e aprende. Da mesma forma, o método cogitado tem uma essência forjada na medicina para se integrar ao ser humano e o paciente precisa ter a capacidade de incorporá-lo. O médico precisa aprender esta disposição recíproca para cada método validado, algo como a medicina que cabe no paciente.

Considerando, então, a receptividade da água-paciente ao sal-método, a metáfora fica mais aplicável para o mundo real da Beneficência quando recordamos que a dissolução do sal é influenciada por certas circunstâncias como a temperatura – vapor d´água e gelo- e a pressão da água. Uma saturação impede acréscimo de dissolução do sal.  Passando do aspecto físico para o humano, é interessante conscientizar, então,  a água salgada pode ou não ser benéfica(o que o Dr. Google não esclarece). É sabido como a alegria da primeira refeição salgada da criança pode se tornar a tristeza da dieta hipossódica tempos depois.

Nem o sal- método quando longe ou perto da água ou quando deixa a água saturada, nem a água-paciente totalmente isenta de sal ou dele totalmente embebida perdem suas qualidades inerentes. São as circunstâncias que definem se prevalece a condição de apenas à disposição – a potencialidade- ou de realização da reciprocidade. Lápis e borracha sempre prontos para caprichosas e incessantes ajustes entre necessidades e possibilidades.

Surge, então a noção do encontro, o sal -método e a água-paciente só provocam um efeito quando estão interagindo e assim, há a verdade do sal que se dilui, a verdade da água que permite a diluição e a verdade que emerge após ocorrer a relação, possibilitando distintos níveis de realidade. Uma indicação validada do método- Utilidade/Beneficência- pressupõe um direcionamento do encontro no sentido de uma interação vantajosa das qualidades inerentes, embora com risco de uma expansão colateral maléfica. Já uma contraindicação do mesmo método pressupõe uma limitação para transformar a verdade de suas qualidades inerentes numa realidade vantajosa no encontro com água-paciente. Uma não indicação do mesmo método  pressupõe que não há cogitação de efeito benéfico no encontro sal-método e água-paciente, embora seja possível.

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