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622- Ligação ética (Parte 2)

DoençaValvarO professor de propedêutica clínica nos repetia que a administração de doses de médico ao paciente tinha as possibilidades das vias oral, auditiva, visual e tátil. Insistia que a oral e a auditiva permitia renomear a relação médico-paciente como comunicação médico-paciente e que deveríamos nos esforçar para fazer tradução simultânea do vocabulário do leigo para o pensamento em termos da medicina nos momentos de anamnese e vice-versa quando dos esclarecimentos. Já a visual e a tátil deveriam ser na medida para a mais eficiente ligação aos receptores do diagnóstico, sempre ressaltando que o médico dispõe de dois ouvidos para escutar por um deles e auscultar pelo outro.
Todos os dias eram marcantes em aulas de propedêutica clínica e um deles destacou-se pela pergunta de um colega ao professor sobre que papel o telefone poderia ter no exame do paciente. Foram uns vinte minutos de resposta com destaque para a consideração que o médico tinha que marcar presença em qualquer forma de necessidade do paciente, inclusive por meio do telefone para expressar solidariedade embora fisicamente ausente. Concluiu que o número do CRM era uma formalidade, mas que o número do telefone do médico era uma necessidade, permite várias funções.
Após 55 anos, quando discar perdeu o significado para o uso do telefone que agora é fixo tão somente junto ao corpo, inspirado pelo mestre Mario Giorgio Marrano (1920-2013), o artesão do diagnóstico, relaciono abaixo meia dúzia de funções do telefone com o pensamento voltado para novas maneiras propostas de se fazer uma consulta médica à distância.
1- Função de triagem- permite orientar o paciente orientar sobre o mais adequado encaminhamento, contribuindo para a agilidade de providências. O rumo recomendado necessita atender aos princípios da beneficência e da não maleficência, o que significa exigências profissionais de experiência clínica, bom senso e treinamento em comunicação. O princípio da autonomia é observado no direito do paciente de se dispor a cumprir ou não o que lhe foi esclarecido. O paciente assume responsabilidade pelos próximos passos, observando-se que o (não) consentimento costuma ser influenciado pela confiança no interlocutor, vontade pessoal, (im)possibilidades circunstanciais. Ponto negativo é que não costuma gerar um registro a ser resgatado numa eventualidade de conflito subsequente.
2- Função de redução do absenteísmo em consultas- permite a lembrança do agendamento e o esclarecimento reversor da falta consciente. Alinha-se, especialmente, ao princípio da autonomia e repercute ainda no princípio da equidade pela chance de substituição  do paciente pela antecipação de eventual não comparecimento.
3-   Função de prevenção- favorece a disciplina nas providências, esta palavra de ordem na execução de planejamentos de prevenção. Como se sabe, a ausência de interferências sobre a qualidade de vida  predispõe ao relaxamento de obrigações preventivas de saúde assumidas. Um telefonema ajuda a manter ou resgatar o nível de comprometimento do paciente, por exemplo, em relação ao calendário de vacinação, a mudanças de hábitos ou à periodicidade de realização de certos exames para eventuais diagnósticos precoces. A articulação principal é com o princípio da autonomia.
4-  Função de complementação do atendimento presencial-  conjuga-se à possibilidade de obtenção de resultados de exames e laudos por meios eletrônicos e decorrente desnecessidade do clássico retorno do paciente para levar os papéis ao médico. O telefone permite a substituição do presencial acrescendo um grau de comodidade na aplicação dos princípios da beneficência e da não maleficência pertinente aos objetivos dos exames complementares. Se é fato que deve ser evitado desperdício de recursos financeiros por uma criteriosa seleção da contribuição de exames complementares para o caso, é também desejável pensar sobre admissível economia de tempo nos atos de conexão médico-paciente.
5- Função de substituição do atendimento presencial– corresponde à situação em que a da triagem simplesmente não encerra o telefonema e adquire rumos de definição de diagnóstico e de prescrição terapêutica, ou, então, por agendamento na última consulta presencial segundo critérios acerca do momento evolutivo do caso. Cada especialidade tem suas peculiaridades de interpretação da pertinência  a respeito da atenção aos princípios da beneficência e da não maleficência e da conveniência- redução de congestionamentos ambulatoriais e de pronto socorro,  de índices de hospitalização e de custos em geral. O histórico da específica relação médico-paciente conta muito para balizar os limites da possibilidade de uma distensão do rigor de consciência do médico para fazer do telefonema as vezes de uma bastante aproximação a uma consulta presencial. Ademais, o paciente com padecimentos crônicos tem mais capacidade para interagir sobre a visão de suficiência  da interação não presencial com o médico.  O princípio da autonomia, aplicável tanto ao médico quanto ao paciente, portanto, é bem atuante.
6- Função de extensão ao atendimento presencial–  relaciona-se ao conhecimento de fatos úteis para apoiar eventuais ajustes de conduta que comumente não implicam numa obrigação de atendimento presencial. Alinha-se ao clássico dar notícias. Assim, facilita a continuidade de atenção aos princípios da beneficência e da não maleficência e, também coopera na percepção da influência do direito do paciente de manter ou revogar a disposição ao real cumprimento, de acordo com o princípio da autonomia. É função relevante, por exemplo, em casos onde é desejável que o médico não desconheça o desenvolvimento evolutivo de uma alta hospitalar exigente de detalhamentos de observação clínica. Igualmente, por exemplo, após uma consulta ambulatorial onde foram efetuados ajustes de prescrição ou  inícios de tratamento que dispensariam, em princípio, uma revisão do exame físico.

Não faltam palavras depreciativas sobre médicos e conversas e em escritos pelo nosso país. O leque de motivos é de abertura total. São injustos ou justos no pensamento, na boca ou nas mãos de todos nós que certamente desejamos contar com um médico sempre que necessário. Hoje, inclusive, tê-lo na palma da mão ou numa mesa a nossa frente, num realístico passe de mágica, que se alinhou à medicina com o nome de tecnologia da informação e da comunicação.

O médico sempre saiu de casa e se transportou – por próprios pés, sobre patas de cavalos ou rodas de veículos-  para um local a fim encontrar paciente e com o telefone plugado na parede nem mais precisou sair de casa para ser encontrado pelo paciente. Atualmente, satélites e cabos encarregam-se do transporte, solto, com total liberdade de alcance no tempo e no espaço.

A telemedicina galopa e infiltra-se. A promoção da saúde, a triagem assistencial e os cuidados com as situações crônicas dispensam alguém ter que tocar a campainha da residência do médico. Qualquer lugar pode ter um médico accessível.

As utilidades da telemedicina motivam a Bioética da Beira do leito. O Código de Ética Médica vigente nos informa que o atendimento assistencial à distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho Federal de Medicina (Art. 37 § 1º). Aguardemos.
Entendo que um ponto de referência ético é o que se utiliza habitualmente para a mais antiga forma de telemedicina, a via telefone fixo. Creio que os artigos do Código de Ética Médica com particular ênfase na prudência e uma dose generosa de bom senso balizam a adequada comunicação.

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