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600- Rótulos (Parte 1)

IatrogeniaRótulos diferenciam, organizam, asseguram. Há os que podem ser palpados e lidos e  costumam garantir acertos de uso e há os que são mentalizados como pressupostos de um comportamento, vale dizer, sujeitos a vieses de pensamentos  e sentimentos, inclusive a preconceitos, a ideias arraigadas ou a temores do desconhecido. A observação do uso de rótulos mentais alerta para a inconveniência de conceituações rígidas sobre verdade e sobre certeza. Na medicina, a apreciação crítica do uso de rótulos – exigências de valor para os físicos, percepções aguçadas sobre validade dos mentais- inclui-se na sabedoria da beira do leito.

Rótulos físicos são convenientes em alguns setores da medicina – laboratório clínico, farmácia. Rótulos mentais, contudo, estão mais para inconvenientes no afã de marcar conceitos em medicina. A beira do leito não permite esquecer que há ciência e há sabedoria na medicina, a primeira organiza o conhecimento, enquanto que a segunda organiza a vida (Immanuel Kant, 1724-1804). Ademais, tempos antigos aconselham sobre o que resultou melhor, mas os tempos atuais aconselham sobre novas aptidões (Francis Bacon, 1561-1626).

Filtros do tempo e filtros da mente são ferramentas da ética médica que contribuem para a prática da prudência e do zelo, aqueles de modo mais assertivo e estes mais carregados de inseguranças. Os primeiros produzem registros que servem de plataforma, os últimos admitem ser flutuantes.   

Atravessamos uma época iluminada na medicina. Transformações imprevistas ou previstas, inclusive como ficção, carregam inevitáveis propensões para etiquetagem mental binária, ou seja, tornam-se aquilo ou nada daquilo. Se o rótulo físico indica que algo não pode ser outra coisa- é o tubo de sangue do Sr. João e de mais ninguém, ou é o frasco de álcool puro e de nada mais- mentalizações sobre aplicabilidade de métodos diagnósticos, terapêuticos e preventivos arriscam-se ao dogmatismo. Contudo, a sabedoria da beira do leito desaconselha conceituar os métodos num par contraditório- útil/ inútil, aceitável/inaceitável. É desejável a prevalência da mente aberta perante as complexidades dos temas da saúde. Hoje não, amanhã sim, hoje sim, amanhã não, sem  menosprezo pelo talvez, ocorrem de modo majoritário no cotidiano do profissional da saúde.

O importante é que cada visão de capacidade sobre um determinado método para prover uma informação e/ou um efeito seja ajuizada em relação ao custo-efetividade momentâneo de sua aplicação ao longo dos desdobramentos do atendimento. As estratégias aplicáveis admitem espaço suficiente para albergar uma amplitude de combinações de utilidade e eficácia do clássico, da novidade, e da inovação. A pluralidade está intimamente ligada a necessidades (indicação, não indicação e contraindicação), a timings (precedência ou ulterioridade), a gradações de custo-efetividade na circunstância vivenciada em relação a outros métodos, além do nível de respeito a sequências tradicionais e predeterminadas (anamnese, exame físico e exame complementar). Sabe-se o quanto uma urgência/emergência justifica decisões sobre a seleção e hierarquização de métodos em relação a passos-a-passos consolidados no eletivo.

Assim, a contemporaneidade de riqueza de recursos para atenção às necessidades de saúde fez o rótulo mental clássico de soberana para a clínica dar lugar a uma democratização sem a perda da majestade. O inegável valor da clínica – uma palavra, um sinal- convive com demais valorizações proporcionadas por números e imagens.

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