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597- Mutatis mutandi (Parte 2)

Conexão BLlivroAssim sendo, urge ao ecossistema evoluído da beira do leito nesta proximidade da terceira década do século XXI manter em equilíbrio o que tende a ser de certa forma inumano nos métodos a serem aplicados e o que se pretende como receptividade humana- que pode ser simplificado no termo dignidade. Deste modo, não são surpresas muitas situações em que prevalece o entendimento que mais (métodos) é menos (humano) e que menos (aplicação) é mais (humano).

A Bioética lida com tais ponderações por meio dos conceitos de autonomia e paternalismo e a expressão no consentimento. Se a mutação genética é essencial para dar firmeza a novas concepções, “mutações mentais, racionais e emocionais” são necessárias para atapetar os caminhos evolutivos da relação médico-paciente, haja vista as diferenças culturais observadas em muitas regiões do planeta que influenciam a determinação pelo médico e o consentimento pelo paciente. A essência quer na natureza quer na beira do leito é o crédito recíproco, o que reporta a uma condição básica da relação médico-paciente chamada de confiança.

Por extensão, então,  precisa haver o desenvolvimento da confiança na tecnologia, e o que se observa atualmente acerca da maior confiança na tecnologia disponibilizada por máquinas em relação à tecnologia natural dos órgãos dos sentidos no exame físico, expande-se para uma desconfiança no meio profissional sobre os efeitos transformadores das “mutações” pela inteligência artificial.

Há uma passagem no livro Sapiens em que o autor reforça que a conquista do mar pelo Homo sapiens não podia esperar o longo tempo que uma baleia precisou para realocar o nariz no alto da cabeça. As mutações genéticas propiciadoras de novas habilidades foram substituídas pelo desenvolvimento da capacidade de lidar com constructos imaginados, no caso construir uma jangada e aprender os segredos da navegação em superfície para não precisar aguardar o tempo para o mergulho qualificado.

Assim como a capacidade instintiva observada nos animais resultou reduzida no homem e o narcisismo individual e social – uma energia que mantém a pessoa coesa dentro de si e com o relacionamento com o exterior- assumiu uma função biológica essencial para a sobrevivência, para suas necessidades e interesses, o lento aperfeiçoamento pela genética foi antecipada pela rápido desenvolvimento da tecnologia. Assim, a “interdisciplinaridade” entre genes e condições ambientais pode ser  substituída pela interdisciplinaridade entre saberes desenvolvidos pelo ser humano.

A alta aceleração de transformações de métodos aplicáveis à beira do leito que representa, pois, uma alternativa pela tecnologia em ausência de uma preparação mutacional genética, é razão para sucessivos questionamentos sobre aceitabilidade moral à Bioética: Isto pode? Isto deve prosperar? Não será o fim da medicina como prática entre humanos?

Ademais, a tecnologia transcendeu a condição de uma ferramenta para uso assistencial nas mãos do médico, ela incursiona pelo campo da competição com presumíveis vantagens- uma surpreendente machine learning, por exemplo, que renova perspectivas sobre previsibilidade de máquinas. Lembremos o suíço Max Frisch (1911-1991): Tecnologia é o modo de organizar o universo para que o homem não precise fazer por si.

Todo pulo em relação a passos-a-passos habituais costuma fazer eclodir questionamentos éticos, dúvidas sobre a preservação do sigilo profissional e, inclusive, interrogações sobre qualidade da fonte de conhecimento e aplicabilidade ao caso específico. Amplia-se com a inteligência artificial -big data, por exemplo-, o conceito da validade da fundamentação da medicina em evidências, pela ampla interdisciplinaridade, carregando benesses e desvantagens.

Preocupações sobre consequências da inteligência artificial criada pela inteligência natural remetem ao mito de Frankenstein (escrito pela britânica Mary Wollstonecraft Shelley, 1797-1851), especialmente a respeito da responsabilidade de criação e da integração entre condição biológica e o meio em que se vive. Ademais, traz  aspectos do mito de Prometeu que para o bem da humanidade (pacientes) roubou o fogo (expertise) dos deuses (médicos).

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