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569- Liberdade na beira do leito

Conexão BLlivroO médico tem liberdade para conhecer medicina de modo diversificado e aprofundado frequentando locais de produção do conhecimento, lendo, trocando informações. Mas, ele deve restringir a aplicação da medicina aos limites do rigor profissional em relação ao cientificamente validado, especialmente, quando sustentado por evidências resultantes de pesquisas qualificadas. Ao mesmo tempo, ele não deve embotar a criatividade para flexibilidades de atitude.

Uma justa medida entre responsabilidade com o disponível da medicina e liberdade para efetiva aplicação é sustentada pela habilidade do médico em fazer as perguntas certas para o paciente- anamnese e por meio de exames- e para si próprio (raciocínio clínico).

O compromisso do médico com o atendimento às necessidades do paciente representa um entrave à liberdade total de se envolver com medicina, não exatamente ao pensamento em si, mas à condução que fica sujeita a regramentos validados pela tecnociência  e pela sociedade. Por isso, não há liberdade absoluta do médico para selecionar perguntas- direta ou indiretamente-, por mais que possa haver curiosidade sobre multiplicidades do presente e do passado do paciente, pois os questionamentos, focados nas circunstâncias, estão previstos pelo treinamento – formação profissional e ganho de experiência. Simplificando, a queixa principal determina as amplitudes de interfaces com a vastidão da medicina.

O quantum de liberdade nos quesitos abrangidos pelo médico em cada caso está balizado pelos princípios da Bioética nomeados como beneficência e não maleficência. É preciso capacitar-se para fazer as perguntas certas para tanto chegar ao útil e eficaz quanto identificar obstáculos à segurança biológica do paciente (adversidades previsíveis). Ademais, existe uma pergunta mais do que certa, pois é etica, moral e legalmente obrigatória: “… O (a) senhor (a) dá o seu consentimento?…”.

Já o paciente tem, por assim dizer, bem maior liberdade, evidentemente, sujeito às consequências de seus comportamentos, vale dizer, responsabilidade por seus atos. O paciente pode, não somente, aderir totalmente aos preceitos da medicina, como também, se sentir livre para mentir ao médico, omitir informações, recusar orientações. Ou seja, enquanto o médico deve fazer perguntas certas, o paciente pode não devolver resposta certa.

Mas o que seria resposta certa? Há a relacionada a um fato, a um dado, que facilita o enquadramento numa verdade ou não. Mentir sobre sintomas, omitir sobre descumprimento de prescrição, escapulir são ilustrativos.  Entretanto, recusar ser submetido a um procedimento apesar da sua forte influência sobre o prognóstico, pode ser “errado” na óptica profissional tecnocientífica, mas como é um direito do paciente – direito à autonomia- não pode ser assim rotineiramente rotulado. Haverá motivos para o não consentimento, algo na conta do foro íntimo do paciente.

Cabe à Bioética alertar o médico que sua expectativa pelo consentimento do paciente a sua rigorosa recomendação não deve representar uma “cognição dogmática” sobre se tratar da resposta certa em função de suas perguntas certas. É preciso estar preparado e tolerante para pensamentos do paciente longe da mesma cristalização tecnocientífica, ou seja para uma elasticidade de respostas que demanda exercícios de flexibilizações de atitudes. Em outras palavras, a natureza humana da relação médico-paciente admite ângulos de visão do paciente afora da ordem linear preconizada pelo profissionalismo majoritariamente beneficente e minoritariamente maleficente (boa relação risco-benefício).

Perante o não consentimento do paciente, é tarefa do médico estimulada pela Bioética da Beira do leito avaliar se cabe entendê-lo como provisório e, caso assim seja, procurar sem proibições e coerções reverter a negativa, ou seja, reformular as perguntas certas cabíveis a fim de contribuir para eventuais ajustes “corretivos” de interação entre racionalidade e emoções (em excesso, em geral) como resposta por parte do paciente.

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