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562- Disponível significa o que mesmo?

Conexão BLlivroVivemos tempos de alta valorização do direito à autonomia pelo paciente.  Cabe ao médico a custódia na beira do leito. São dele as iniciativas para a obtenção de uma explícita manifestação do paciente sobre a aplicação de métodos tecnocientíficas para atender as suas necessidades de saúde. Na violação do dever de cuidar do consentimento, o médico sujeita-se a ser alvo de um processo eticoprofissional. Já de uma maneira mais tradicional, o binômio custódia-violação sobre aspecto ético vale também para a aplicação do princípio da beneficência em conformidade com a excelência da tecnociência em saúde validada.

A responsabilidade do médico pela proteção ética ao seu paciente renova-se a cada caso tendo como balizamento um conjunto de disposições reunidas no Código de Ética Médica editado pelo Conselho Federal de Medicina. Cada artigo do Código de Ética Médica admite objetivos orientadores, fiscalizadores e judicantes. Espera-se que o sentido do exposto como norma comungue com a consciência profissional de uma moralidade de comportamento direcionada para a obtenção do bem e evitação do mal. Questões sobre qualidade de vida e sobrevida tendo a dignidade como pano de fundo.

Atualizações periódicas do Código de Ética Médica proporcionam ajustes de época entre a Medicina, o médico e a sociedade em geral. O Brasil coleciona oito códigos desde 1929. Um novo Código de Ética Médica entrará em vigor no Brasil em abril de 2019. Pouco mudará. Contudo, cabe destacar a adição do Princípio fundamental XXVI- A medicina será exercida com a utilização dos meios técnicos e científicos disponíveis que visem aos melhores resultados.

Para início de conversa, princípio fundamental é uma redundância. Historicamente, o Código de Ética da Associação Médica Brasileira, em 1953, introduziu Normas Fundamentais, depois o Código Brasileiro de Deontologia Médica, em 1984,  usou apenas Princípios e, finalmente, o Código de Ética Médica, em 1988, inaugurou o título de um capítulo como Princípios fundamentais. O copy-paste explica, portanto.

Bioamigo! Analise com vagar a redação do novo princípio: Será exercida! Não lhe soa como um imperativo categórico? Meios técnicos e científicos! Qualquer outra forma de complementação, a religiosidade, por exemplo, não cabe, então, na medicina? Melhores resultados! Sob qual óptica, exatamente? A da Medicina baseada em evidência que escalona probabilidades de sucesso? A da experiência do médico? A do desejo do paciente? A limitada pela efetiva circunstância clínica?

A vivência de tantas adversidades previsíveis e imprevisíveis na beira do leito em meio a crescentes complexidades clínicas hierarquiza o valor da segurança biológica do paciente. Uma preocupação que requer frequentes ajustes da beneficência que podem vir a impedir expectativas de acima do bom- o significado de melhor. O empenho é sempre pelo possível, inclusive o melhor se couber.

Cada médico fará sua releitura do fundamento XXVI e, assim, haverá expansões e limitações do contexto em que foi produzido. Como se sabe, um efeito de releituras de textos imprecisos é a assimilação de acordo com o próprio interior, vivências e conveniências, o que carrega o potencial de virar uma auto-normatização, com cada médico tendo a sua interpretação e, assim, se conduzindo.

Já se tornou praxe: interpretações dos artigos do Código de Ética Médica não podem dispensar o olhar  multiprofissional e transdisciplinar da Bioética. Há um exemplo que desfaz qualquer dúvida neste sentido, a formação de juízo sobre a dupla de artigos Art. 31- É vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte e Art. 32- É vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. 

Privilegiar um ou outro exige uma análise circunstancial, caso a caso, com fundamentação pelos princípios da beneficência e da autonomia. A confusão ocorre, de fato, na beira do leito quando não há consentimento pelo paciente (art.31), assim, impedindo o uso do método recomendado com maior chance de sucesso (art.32). Parece que o não consentimento desencadeia uma geração espontânea de fantasmas de imprudência e de negligência que passam a rondar a beira do leito, visíveis, especialmente, para os jovens médicos treinados que são para fazer e “nunca” para não fazer.  Nenhuma diretriz clínica tem uma bula que faça a ressalva: desde que haja o consentimento pelo paciente.

O maior problema está no termo disponível. Ele é nebuloso para interpretações de natureza Bioética. Uma ideia é que o termo representa estar ao dispor, ou seja, constar “na prateleira” do acervo da medicina para o médico aplicar quando justificado. Um desdobramento inevitável é que se estiver “em falta” – um medicamento, um aparelho ou, então, uma habilidade profissional – não haveria infração ética. Outra ideia é que o termo significa desimpedido e, aí, o foco pode ser deslocado para o consentimento do paciente, vale dizer, o não consentimento é o impedimento, é  justificativa para indisponibilidade ao uso.

Agora, o termo disponível foi incorporado aos fundamentos do exercício da medicina, o que eleva a importância da interpretação léxica. Opção 1-  Disponível  na tecnociência validada, o que a medicina tem a oferecer de útil e eficaz; 2- Disponível no local do atendimento, o que a instituição de saúde, o sistema de saúde possui de conhecimento, habilidades e infra-estrutura; 3- Disponível em função do consentimento pelo paciente, o pedágio da beira do leito, que, diga-se de passagem- sem trocadilho- não aceita sem parar. Entretanto, a complementação que visem aos melhores resultados parece hierarquizar a opção 1, o que faz pender para uma contestação ao direito à autonomia- algo como se está na diretriz deve ser prescrito- e que, talvez, pudesse ser evitado com a substituição de um impositivo exercida por um interativo recomendada. Ou, ultra simplificar, pois, a bem da verdade, disponível é dispensável: Princípio fundamental XXVI- O médico visará aos melhores resultados por meios técnicos e científicos.

 Aguardo comentários do bioamigo!

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