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559- É permitido proibir, É proibido proibir

Conexão BLlivroAutenticidade, legitimidade e liberdade é trigeminalidade essencial para a tomada de decisão pelo paciente no ecossistema da beira do leito. A expressão do direito à autonomia decisória por meio da verbalização do consentimento livre e esclarecido é exigência ética contemporânea. A eventual negativa para a aplicação de método beneficente recomendado pelo médico traz a possibilidade da desatenção ao mau prognóstico pelo médico tolhido. Um resultante confronto entre Quero, Posso e Devo na consciência ética e moral atuante na relação médico-paciente é do interesse da Bioética.

Razão, emoção e sentimento sustentam a crítica do paciente à orientação do médico que se pretende resumida de uma maneira racional e estética na formalidade do ato do consentimento. O significado do consentimento – afirmativo ou negativo- pelo paciente carrega componentes nem sempre simples. A vivência no ecossistema da beira do leito ensina que assim como o médico desenvolve uma sensibilidade estética caso a caso, a sucessão de oportunidades de se manifestar perante doenças crônicas facilita ao paciente decidir o que pretende da Medicina. Há, pois, um “treinamento em serviço” que permite ao leigo agora paciente adquirir um nível de capacidade normativa para empreender o autogoverno balizado pelos acontecimentos de saúde que passa a conhecer como sujeito da enfermidade e que lhe remete à condição de sujeito moral para decisões.

Configura-se, pois, uma analogia com o desenvolvimento no adolescente da competência de se portar de modo autônomo em questões da saúde com o amparo dos pais. Esta progressão da “infância para adulto” estimulada de sintoma em sintoma, evolução em evolução, “amadurece” o entendimento da Medicina que lhe interessa com a ajuda do responsável médico. Aos poucos, o paciente crônico, pelo ganho de maturidade decisória inespecífica pela vida e específica pela doença, deixa de ser um “estranho” na beira do leito e passa a “integrar a equipe”, a melhor versão da harmonia entre Quero, Posso e Devo  na interpessoalidade médico-paciente.

O chamado paternalismo de transição entende que o adolescente, em geral, está em processo de amadurecimento do grau de discernimento para apreciar prós e contras da recomendação para o seu bem-estar. Assim, ele deve ser autorizado a participar de todos os processos de decisão sobre a sua saúde, mesmo daqueles mais complexos. A razão é que a abrangência e a profundidade para a percepção do sentido da Medicina são essenciais para qualificar a aquisição de perspectivas deliberativas. Este “processo pedagógico” não deve dispensar uma supervisão “docente” com poder para realizar interferências “corretivas” a respeito da configuração das escolhas. Em princípio, o sim do adolescente é bem-vindo e o não é “trabalhado”. Assim, qualquer rótulo de adolescente já amadurecido fica passível de discussão moral, ética e legal.

Desta maneira, o paternalismo de transição assemelha-se à auto-escola, o aprendiz pilota com o instrutor ao lado atento. Quando as escolhas do adolescente coincidem com a visão tanto do  responsável quanto do médico – algo como uma triangulação médico-adolescente-responsável tendendo a um equilátero-, a condução pelo adolescente adquire um alto grau de autonomia. Quando, contudo, ocorre  um  não consentimento do adolescente entendido pela instrução como prejudicial ao seu bem-estar, sua condução é redirecionada para uma decisão heteronômica , vale dizer, sua autonomia é “cassada” por não estar o bastante amadurecido. Em outras palavras, permite-se o desenvolvimento de um aprendizado que vai acomodando o caráter, a personalidade e o temperamento do adolescente na sua responsabilidade decisória acerca da própria saúde, mas o ponto final autônomo fica condicionado a uma interpretação heteronômica endossante ou não.

Uma apreciação pela Bioética é que este conceito de paternalismo de transição é útil  para sustentar a qualidade da progressão do nenhum poder da “infância” para um poder “adolescente” preparatório, especialmente, para a circunstância do não consentimento livre e esclarecido, quando houver a chegada da maioridade civil. Pois, o máximo de autenticidade, legitimidade e liberdade para o direito da autonomia está, na verdade, no não consentimento à recomendação do médico.

Um desdobramento desta visão pedagógica de transição é  o estabelecimento de critérios fidedignos para considerar o adolescente amadurecido. Observa-se uma tendência a fazer analogias com atividades do cotidiano que são, habitualmente, polêmicas. Abrange uma elaboração de algo como um Estatuto do Menor Amadurecido para considerar um segmento de adolescentes com maturidade e inteligência suficientes para deliberar sobre bens e males ligados à Medicina. Juízes e hebiatras interessam-se, assim como a Bioética, por esta possibilidade de confronto entre concordância com o médico e discordância com o responsável –  algo como a triangulação médico-adolescente-responsável tendendo ao isósceles.

Portanto, o paternalismo de transição contribui para uma natural transformação de uma triangulação médico-adolescente-responsável de tipo escaleno (conflituosa) em equilátera ou isósceles. Um triângulo virtuoso é figura  cabível na expressão do consentimento pelo paciente capaz, vale dizer, um adulto maduro para tomar decisões, à recomendação do médico. O afirmativo encerra a caminhada pela rota da prudência e autoriza “mãos à obra”. O negativo pode estimular a iniciativa do médico por mais uma rodada de esclarecimentos e compreensão de motivações que se denomina de paternalismo, o fraco, “um empurrãozinho” necessariamente isento de proibições e coerções.

A Bioética precisa ficar atento aos desdobramentos de eventuais conflitos no âmbito do binômio autonomia-consentimento entre É permitido (ao paciente) proibir e É proibido (ao médico) proibir. 

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