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542- Medicina e Matemática

Estamos às vésperas de mudanças radicais na beira do leito há algumas décadas vistas como ficção científica. Novas raízes da Medicina serão beneficiadas por  uma primorosa transformação tecnocientífica sob ideais gloriosos. E, como sempre, surgirão incompatibilidades entre visões de exatidão e expressões da natureza do ser humano, por mais que haja um título de Medicina de precisão. Como ouvi na Faculdade, resolver problemas de Medicina não é nada igual a resolver problemas de matemática, calculadoras tendem a inúteis e ineficazes quando o que precisamos são métodos úteis e eficazes sobre aspectos biológicos. Não prevejo mudanças, pois não se trata de um recomeço de fato, mas de novas oportunidades para encontros e rencontros de aproximação da Medicina à Matemática.

É histórica a pretensão que se observa na beira do leito de pavimentar juízos concretos sobre a relação Medicina-médico-paciente com analogias de raciocínios dedutivos sobre abstrações, por exemplo, relações estabelecidas por números e figuras geométricas. Somos influenciados pelo valor calculado do risco cirúrgico a ponto de o considerar, inclusive,  um número proibitivo e, assim, eliminar a chance de reverter o mau prognóstico; somos sensíveis a efeitos da vulnerabilidade do paciente pela doença sobre sua forma de sentir e de reagir e aceitamos uma expansão da binária relação de interpessoalidade decisória que desemboca no (não) consentimento para uma figura triangular médico-paciente-familiar; o índice de massa corpórea (IMC) tornou-se popular. Ademais, cresce o impacto da modelagem matemática, influências da inteligência artificial e computação sobre as ciências da vida, com evidentes impactos na Ética Médica calcada no legado de William Bart Osler (1849-1919): Medicina é a arte da incerteza e a ciência da probabilidade.

Este desejo nunca satisfeito por solidariedade entre Medicina e Matemática, algo no campo da transdisciplinaridade, representa a “não matematização” nuclear da Medicina, tão somente, uma “matematização” periférica para vencer dificuldades do dia-a-dia. Foi sempre razão para o preceito ético da evitação de promessa de exatidão sobre resultados terapêuticos, bem como do acautelamento de se expressar o diagnóstico não confirmado como hipótese. É tradição que não pode ser desconsiderada pela Bioética, especialmente em gestão de conflitos da beira do leito. Ponto essencial é que cada paciente constrói a sua narrativa própria em função de um peculiar conjunto de configurações ativas e reativas de “corpo e mente”.  Sempre haverá uma fração que seja diferenciadora.

Por isso, a representatividade de consultorias de Bioética à beira do leito não pode soar exatamente como resolução de teoremas com axioma (afirmação previamente aceita) resgatado da ética, da moral ou do legal. Qualquer desejo do médico por um paciente padrão, um arquétipo da obediência cega- a si e à Medicina- para facilitar a fluência dos passos profissionais lógicos de natureza tecnocientífica tem grandes chances gerar tensões.

O profissionalmente justificável defronta-se, entre outros, com um gigante emocional concebido pela condição humana, uma reação compreensível do paciente quando se vê ainda mais vulnerável. O tecnicamente correto sustentado por evidências ou por vivências não permite ao médico considerar uma conduta “iluminada” como algo completo.

As espécies de confrontos requerem habilidades de consultoria a respeito do conceito de normalidade numa relação de confiança. Desconfortos profissionais e posições genuínas se antagonizam e, por isso, requerem a sabedoria filtrada pela curva de aprendizado e imersa no mundo real da beira do leito. Tudo muito longe de exatidões matemáticas, por mais que se persigam validades axiomáticas. Cada caso é um caso perfazendo um conjunto de vivências onde cada “certo” não é necessariamente antítese de “errado”.

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