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540- A plasticidade da beira do leito (Parte 1)

Ao completar 24 anos de idade, recebi o número de CRM e me legitimei pela sociedade para cuidar do bem mais precioso do ser humano. Sabia pelos bons mestres que atender às necessidades de saúde do paciente significa frequentar ininterruptamente a beira do leito. O maior conselho entre os conselhos que se agregou à caneta, ao carimbo e ao estetoscópio. Bolsos e pescoço contribuindo para carregar o fardo profissional de expectativas, realizações e frustrações, desafiando narcisismos e acatamentos aos desejos do paciente, à lógica cientificista e ao senso comum.

Nestes 50 anos de dedicação profissional constatei que à medida que Medicina e sociedade mudam- só permanece o que muda nos ensinam os rios com suas águas constantemente renovadas -, a beira do leito reconhece e se ajusta a ambas. Percebi acentuação de complexidades, diversificações de níveis de realidades, situações de paradoxos, caminhos de labirintos… e até simplificações, porque não? Felizmente, a maioria das transformações foi na direção da resolutividade: mais benefícios, mais segurança, mais concordância com valores do paciente.

Pelas conversões, fui compondo uma estética da beira do leito, pelo lápis e pela borracha tracei modos respeitosos a normas e a leis e apliquei alto grau de rigor, todavia, considerando certa flexibilidade para aberturas ao desconhecido e ao imprevisível  pela Medicina e para a tolerância a opiniões divergentes da minha. Procurei afastar-me de cenários de distorção de objetivos essenciais da Medicina e me aproximar das renovações qualificadas, resguardei-me dos tabus sabendo que lhes faltam justificativas e são traiçoeiros.

Está na hora de passar visita /Vamos explicar ao paciente/Você está de alta

São três momentos tradicionais da Medicina. O que eles têm em comum? A beira do leito. Esta metonímia da conexão médico-paciente é antiga, Guglielmo de Saliceto (1210-1277) a ela se referiu na Idade Média e que o pensamento segundo a Bioética me possibilitou redescobrir, mais recentemente.

É exatamente da beira do leito que parte a minha ponte para o futuro com suas duas mãos de direção que permitem imediatos e sucessivos retornos como presente, sempre que haja validações. Atualmente, vivencio a beira do leito da pós-modernidade, onde analiso condutas nunca intransigentemente definitivas, mil pensamentos atarefados em meio a evidências, contradições, achismos, tentativas de acertos passando por erros involuntários. É um aqui e agora sustentado por uma atividade mental harmonizada com o  profissionalismo que me entusiasma e me absorve.

Esta atividade mental alimentada pelo respeito ético é parte habitualmente oculta da sociedade em geral, pois é frequentemente apenas num solilóquio ou um diálogo com poucos colegas. Todavia, a Bioética ensinou-me o valor do compartilhamento do meu raciocínio profissional com o paciente na beira do leito, este ser humano aprisionado  pela perda da saúde, mas ao mesmo tempo, com para propor ajustes e objeções. Tantos protagonismos e antagonismos fazem da beira do leito o maior ponto de referência do exercício profissional ético, moral e legal.

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