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515- Máquinas frutíferas (Parte 1)

O que é Medicina? É difícil responder com abrangência e profundidade. Cada época tem suas características e as transformações estão paulatinamente mais rápidas, prejudicando sínteses descritoras.

Cada turma de médicos que se gradua nas Faculdades de Medicina, anualmente, está se tornando uma edição delimitada de aprendizado. O conjunto do aprendizado manifesto à Formatura vira em pouco tempo um tão somente ponto de referência histórico dos fundamentos necessários para lidar com a sucessão dos desafios diários ao profissionalismo ético, vale dizer, ajustado aos galopes do estado da arte.

A Ética médica praticada no Brasil, nutrida por mais de 100 artigos do Código de Ética Médica vigente, acentua que médico é, tradicionalmente, uma profissão de empenho, reverberando que se empenhar com a boa Medicina não  permite prometer os bons resultados pretendidos pelo paciente. Já a Bioética principialista indica que a Medicina produz beneficências que, contudo, incluem o potencial de produzir danos, o que não é nada paradoxal, e, adverte que os corretos propósitos de benefícios do médico podem ser recusados pelo paciente capaz. Ademais, a conjunção da prática da beira do leito com a ética da responsabilidade torna o local uma circunscrição do dever profissional, não somente de exercer (boas)intenções e (bons)princípios, como também de responder pelas eventuais (más) consequências da aplicação, tanto quanto elas possam ser previstas.

Assim sendo, este início de século XXI caracteriza-se por uma Medicina que dissolveu aquela contemplativa, muito humana e pouco eficiente, e, agregou uma profusão de recursos validados, úteis e eficazes, proporcionando progressivos melhores resultados, embora, repita-se, mais produtora de chances de adversidades. O ganho de eficiência, todavia, acompanhou-se de perdas de virtuosas interações com a pessoa do paciente, levando a uma preocupação constante em correr atrás de uma atenção ao humanismo.

Atualização tecnocientífica é a palavra de ordem da beira do leito contemporânea respeitosa. Tudo muito dinâmico, novidades a cada dia, anseios por análises críticas das propostas subintrantes de melhorias. Ao mesmo tempo, persiste a valorização ética dos clássicos fios condutores da Medicina conhecidos por anamnese e exame físico. A dupla que é calcada no dom dos órgãos dos sentidos conserva-se condição sine qua non da boa Medicina e ponto de partida seguro para a utilização de tudo o mais,  que um dia foi sintetizado como complementaridade.

Desenvolvido o atendimento, cabe aos preceitos da prudência atapetar o raciocínio clínico em sucessão, à medida que a ordem dos esclarecimentos vai se estabelecendo. Na confluência da prudência com o zelo, o consentimento livre e esclarecido do paciente destaca-se como pedágio obrigatório no caminho da aplicação da conduta recomendada e agora consentida – ou não. Mas, por mais méritos que se possa exaltar sobre o esmero da competência – conhecimento, habilidade e atitude- do momento, não cabem, neste exercício continuado, pontos finais de sucesso e aplausos à Medicina, prosperar é inescapável.

A Medicina triangula com médico e paciente. Os movimentos são energizados pela objetividade analítica e sintetizadora do médico perante os desafios de circunstâncias que reúnem disfunções, danos, sofrimentos, incapacidades de natureza biológica e psicológica, objetivos primários do atendimento. Embutido nos vaivéns está a precaução com efeitos sobre distúrbios paralelos conhecidos como comorbidades e, muito importante, com a normalidade de demais órgãos e sistemas. Qual enxadrista, o médico ético precisa pensar em ataque e defesa e mentalizar lances futuros.

A complexidade domina. Por mais que a experiência profissional construa uma visão descomplicada, uma redução  pragmática, o atendimento requer lidar com múltiplos níveis de realidade. Há o nível do passado, embasado na anamnese e no exame físico, ponto de referência, há o nível observável que representa o evolutivo dos dados e fatos sendo comprovados, há o nível imaginado que reflete visões de expectativas, fundadas e infundadas, há o nível de valores inquestionáveis de cada ser humano envolvido. A integração destes níveis possibilita fundir posições existentes e contraposições almejadas num só tempo, a cada etapa do atendimento.

A Medicina contemporânea sustenta-se por evidências tecnocientíficas em contínua espiral ascendente que não admitem desviantes de sustentação do rigor normatizado. Elas viram recomendações validadas. Mas, as variantes das circunstâncias do mundo real da beira do leito exigem que as traduções da bancada para a beira do leito sejam filtradas pela prudência e pelo humanismo. As aplicações precisam estar dispostas a sofrerem flexibilizações justificadas pela segurança individual do paciente, pela abertura a possibilidades evolutivas desconhecidas e imprevisíveis e pela tolerância a opiniões contrárias. Manejo ético de evidências tecnocientíficas, ditames da consciência profissional e razões embutidas nas devolutivas do consentimento constituem exercícios de avaliação e troca de conceitos conforme concepção transdisciplinar.

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