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479- Desconexões médico-paciente

Médico é médico, paciente é paciente. Cada um tem seus pensamentos e comportamentosNão se sobreponham às alegrias pelas suas condutas, mas dividam as tristezas com os pacientes. Ouvi na Faculdade de um Professor de Psicossomática. Creio que cada estudante assimilou a sua maneira de ver o exercício da Medicina desde o ângulo mais científico ou o mais humano. Hoje a Bioética permite um olhar mais integrado.

A beira do leito convive com momentos de tristeza, infelizmente, apesar do progresso da Medicina, da prudência e do zelo dos profissionais da saúde e da adesão dos pacientes. A causa  da tristeza costuma ser a decepção de uma esperança cogitada e, habitualmente, acompanha-se de uma inquietude. De certa forma, distingue-se do desespero, pois enquanto este tende a representar  perda total da esperança (des-espero), aquela pode aguardar a possibilidade de reversão prazerosa.

O profissionalismo tende a esconder manifestações mais explícitas de tristeza pelo médico perante má evoluções reais ou imaginadas, bem como conter expressões de desespero quando prudência e zelo foram corretamente empregados. Todavia, graus de tristeza oculta do médico ético e moralmente comprometido energizam a inquietude profissional fazendo com que o temor das adversidades consideradas possíveis, agora reais, transforme-se em  coragem criativa para manter uma espera de conversão ao sucesso.

O médico aprende a avaliar o prognóstico de modo realista conforme o acervo disponível da Medicina  e sua própria vivência profissional. Por isso, o grau de tristeza em potencial é modulado desde cedo, pois, a expectativa sobre resultados é concebida com um forte componente de objetividade. Aliás, quanto mais recursos passamos a dispor, menos subjetividades, menos expectativas mais emocionais do que racionais passam a acontecer. Evidentemente, há limites pois as Ciências da Saúde não são exatas, mas observam-se registros mais homogêneos.

A Bioética da Beira do leito interessa-se pelo quantum satis de otimismo provocado pelas características da emissão de informações sobre benefícios e adversidades desde médico ao paciente. Obviamente, é complexo se prever a recepção pelo paciente em função da pluralidade da condição humana, porém, é sempre preocupante uma comunicação que contenha 100% de esperança no bom resultado e 0% de expectativas de adversidades, ou seja, um otimismo estatisticamente nada realístico. É composição que caso a “garantia” não se torne verdadeira na evolução provoca um grau de tristeza acima porque fruto de frustração, mas também um grande potencial de reações emocionais pavios de condução de sentimentos beligerantes.

O mundo real do equilíbrio entre otimismo e pessimismo na beira do leito é complexo, mas qualquer  reflexão que possa envolver um comportamento de falsa esperança precisa ser apreciado segundo o rigor  permitido pelas realidades da tecnociência disponível e aplicável  na circunstância, a abertura para o imprevisível e o desconhecido e a tolerância  a oposição de opiniões. Nem um “terrorismo” calcado em expectativas de adversidades, nem uma fantasia sustentada pela fé no benefício reversor da enfermidade.

Neste ambiente confuso de muitas justificativas nem sempre explícitas e desdobramentos infinitos, é essencial considerar conceitos intervenientes na beira do leito e que admitem superposições conceituais. Assim, esperança representa um desejo de evolução admitido como provável de acontecer que cursa um caminho de pensamentos e comportamentos (consentimento, por exemplo) predominantemente positivos. Neste contexto, há sempre a dúvida se o médico deve “corrigir” o paciente/familiar, quando após fazer esclarecimentos sobre benefícios e potencial de adversidades, ouve dele (s) “… doutor, tudo irá bem…”. Falsa esperança indesejável ou otimismo humano desejável?

Já otimismo fortemente não realista refere-se a uma superestimação da probabilidade de  ocorrência do desejo de boa evolução manifesto. Por outro lado, Negação apresenta-se como  o desejo pela boa evolução enterra nas profundezas da mente qualquer pensamento sobre a alta possibilidade de  adversidades superiores a benefícios. Ademais, não se pode esquecer do Auto-engano, quando o desejo por uma boa evolução é capaz de provocar um solilóquio de narrativa em oposição às verdadeiras evidências.

A beira do leito testemunha comportamentos humanos sobre o desejo de uma boa evolução que podem determinar opiniões contraditórias de apropriado ou inapropriado para a circunstância. A Bioética da Beira do leito interessa-se por construir uma plataforma para reflexão realista em conformidade com a condição humana, contudo, cada médico precisa edificar sua apreciação sobre esta decorrência da impossibilidade de se prometer um determinado resultado. Os efeitos placebo e nocebo nos alertam “bioeticamente” que o médico não deve transferir a sua racionalidade científica para o paciente com perspectiva de assimilação ipsis literis.

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