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474- Bioética e o sentido do tempo

Seis anos na Faculdade, alguns anos na Residência Médica, Pós-doc, Estágios, Cursos, etc… etc… É muito tempo quantitativo de formação médica dita de graduação e pós-graduação. São muitas fronteiras imaginárias do tempo qualitativo numa continuidade de ritos de passagem que contrapõem os adjetivos prolongado e insuficiente. São  muitos eixos conduzindo o que lembrar e o que expandir em recíproco contágio. Não dá tempo para aprender tudo de cada sala de aula de distintas conformações, nunca monodisciplinar, até porque qualquer totalidade porventura imaginada será sempre um queijo suíço da tradição, o que dirá a respeito do progresso tecnocientífico incessante. Haverá sempre lacunas a preencher e com ralos de desperdícios.

Há muito de provisório na competência do médico, ele precisa preencher um álbum de figurinhas – curricular, oculto- muitas delas renováveis e cujas páginas em branco crescem diuturnamente e, para surpresa de muitos desavisados, plena de episódios rocambolescos (Rocambole foi um personagem sempre enrolado em aventuras e proezas criado pelo francês Pierre Alexis de Ponson du Terrail, 1829-1871).

Todos os dias, um colega é exemplo de alguma tomada de decisão clínica, de alguma habilidade em procedimento, de alguma atitude  de caráter humano. O denominador-comum é o paciente que é sempre uno- aquela advertência da Natureza sobre a impressão digital ser única nos indivíduos, mesmo em gêmeos univitelinos-, uma pessoa singular por mais que possa ser inserida num coletivo com mesmo número de CID.

Já no chamado mercado de trabalho, mas não de forma mercantilista (É vedado ao médico o exercício mercantilista da Medicina- Art. 58 do Código de Ética Médica vigente), a educação continuada  prossegue com vigor didático, depurante por acertos e erros, ilibada guardiã da verdade imutável e transmutável, método prudente e zeloso da evidência clínica, idealmente guiada pelo contato com uma seleção galática de casos clínicos (pleonasmo, pois qualquer caso acresce um ensinamento). É medida do plantão científico permanente que entre estímulos para leitura e curiosidade certifica as boas práticas. Enfim, sustenta um componente autodidata que todo o médico não pode dispensar.

É importante reforçar a modalidade contemporânea de autodidatismo em tempos de alto mérito das Diretrizes clínicas sustentadas pelas sociedades de especialidades de credibilidade. Pois, no ecossistema da beira do leito, as seleções empacotadas de melhores evidências da literatura universal confiável tendem a dar um clima seco sem grande oscilação térmica, propensão a frio, menos nebuloso mas com poucos ventos polinizantes. Cabem pelo menos três fatores de conforto: o calor humano, a umidade ética e a brisa bioética.

Não devemos esquecer que evidência é interpretação e qualificação do dado científico, portanto é um atributo gerado por um juízo de valor amparado por métodos científicos interdisciplinares. A Medicina organizou-se de uma forma que comités de sociedades de especialidade analisam o grau de aproximação com a verdade, plausível de crédito, no sentido da potencialidade de se realizar, misto de um valor por vir a ser bom para o paciente e de uma verdade a ser oferecida ao mesmo paciente.

Entretanto,  atributo é símbolo distintivo de outras particularidades do paciente que não podem ser desconsideradas pelo médico. De fato, há vida – e como- afora do mundo das Diretrizes clínicas, requerendo a tríade acima mencionada que cuida para uma visão de peso pluma de malefícios necessários ante pesadas medidas de beneficência e da figura de chumbo para situações niilistas. É do autodidatismo regular quando diretrizes clínicas devem ficar ou não em primeiro plano em relação a atributos humanos em vigor.

A tríade calor humano, umidade ética e brisa bioética pela articulação com o auto didatismo do médico permite acrescer as anotações de rodapé que constroem sentidos mais exatos do realismo que serve de ponto de referência para atender às necessidades de saúde do paciente, do idealismo da prestação de um serviço útil e eficaz  de convergência dos muitos ângulos de apreciação e do racionalismo da qualificação técnica e humana para o desempenho do profissionalismo de excelência.

Vivemos uma era onde o tempo se sobrepõe ao espaço e no decorrer do século XXI a tecnologia inovadora e transformadora em Medicina fará o médico se movimentar quilômetros de competência sem deslocamentos do seu posto de trabalho. É por isso que  para a preservação da emissão e recepção da Medicina sob roupagem humana, temos que colocar na linha de frente da memória, como fonte para reflexões,  a representação do modo de lidar com os mistérios, admiração e receio que se desenvolveu no âmbito da Mitologia: Cronos, o guardião do tempo, é pai de Quiron que criou Esculápio (Asclepius), o deus da Medicina, a quem estavam consagrados o galo, a serpente e a tartaruga como símbolos da vigilância e da prudência essenciais ao médico – “… de noite Asclepius aparecia em sonho aos doentes e lhes dava conselhos… na manhã seguinte, os sacerdotes coligiam as receitas e as explicavam…”. 

Como ensinou Antonie Lavoisier (1743-1794) na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, e, assim, as novas gerações de médicos precisam considerar fortemente a tríade calor humano, umidade ética e brisa bioética no ecossistema da beira do leito, porque a perspectiva de robotização da Medicina poderá significar ” … na computação, a inteligência cognitiva  organiza os conselhos… na beira do leito, os médicos coligem e aplicam…”.  Novos tempos, novos deuses!

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