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470- Semáforo ético na beira do leito no processo do consentimento

O exercício do princípio da autonomia pelo paciente por meio do processo de consentimento aciona um farol ético da beira do leito instalado nos cruzamentos de vias movimentadas de responsabilidade profissional e interesses do paciente. Esclarecimentos em duas mãos – profissional-leigo e leigo-profissional- são fatores essenciais para a definição das cores universais do semáforo. A legitimidade do verde e do vermelho sustenta-se na concordância ou não da consciência profissional que recomenda e das respostas de sensatez, vieses de personalidade e impactos de circunstâncias do paciente.

De modo reducionista, queremos crer que as explicações do médico são processadas pelo paciente e após análise de prós e contras ele emite um siga ou pare.  O amarelo pode dominar o processo por período variável de tempo incluindo um trabalho de persuasão mais aprofundado do médico e a ampliação de pontos de referência decisórios pelo paciente.

O verde do consentimento pelo paciente é visto habitualmente como um ato de bom senso em face da expectativa de bons resultados nutrida pelo progresso da Medicina nas últimas décadas. Contudo, não pode ser esquecido que o consentimento inclui a admissão das adversidades e, atualmente, observa-se que os esclarecimentos têm tocado  mais tempo em possíveis danos do que nos almejados benefícios. A preocupação tendeu a se direcionar mais para a maleficência que para o usufruto da beneficência, como se esta fosse de domínio público e mais sob controle do médico e aquela uma desconhecida e indomável.

É um efeito do progresso da ciência, da maior disponibilidade de recursos benéficos que faz o paciente procurar o médico, que eleva as chances de controle e de reversão das morbidades, mas que não pode prometer a perfeição do resultado, porque ele se associa a previsibilidades de distintas naturezas e imprevisibilidades infinitas, vale dizer, um mundo real de insuficiência de benefício e temor de malefício. O desejável e o indesejável tais quais cartas na mesa viradas para baixo, embaralhadas e cheias de surpresas boas ou más. A insegurança pela admissão de analogias a um jogo de sorte interferindo no cumprimento de métodos organizados e validados.

Os pilares éticos da prudência e do zelo contribuem para a melhor resultante entre benefícios e malefícios, mas, o real significado desta conjugação tem que ser apreciada  no âmbito da relação médico-paciente nas vertentes tecnocientíficas e humanas (Bom para quem?). Esta indagação tem evidentes distinções da aplicável na relação cidadão-cidadão e, por isso, o processo do consentimento não pode prescindir da individualidade da avaliação – cada paciente é uno-  das recomendações médicas sustentadas pelo estado da arte.

A beira do leito testemunha que há pacientes que ouvem o que o médico fala sobre as adversidades possíveis e privilegiam o otimismo pelo bom resultado, a confiança que suas necessidades de saúde atendidas da melhor forma pretendida. Ao mesmo tempo, há pacientes que destacam o negativo da conduta e reagem com certo conformismo- especialmente quando a adversidade será uma realidade- ou com grande contraposição a ponto de não dar o consentimento. A imensa gama de situações clínicas, evidentemente, provoca uma infinidade de composições que exige um reconhecimento personalizado.

Para aqueles que, porventura, recriminam o paciente pela indecisão no consentimento, lembro que o entusiasmo com a Medicina próprio do profissionalismo médico de certa forma coloca adversidades da aplicação dos métodos diagnósticos, terapêuticos e preventivos como um mal até mesmo necessário, inevitável porém reversível. O médico faz uma análise critica do bem e do mal da Medicina segundo vieses condicionados pela formação, enredados com o sentido da responsabilidade profissional, e associados à conscientização que será ético pela prudência e pelo zelo, uma suficiência moral, embora ambos não evitem maus resultados, más evoluções, insatisfações. Não se pode exigir , entretanto, que o paciente tenha o mesmo sentido de compreensão, o que significa que a adjetivação de esclarecido e livre para o consentimento seja  expressão de um nível bastante de esclarecimento e liberdade para a legitimidade da resposta. O que falta – em maior ou menor volume- pode ser preenchido pela autoridade que o médico lhe representa encaixada no momento clínico que vivencia.

A relatividade da compreensão  pelo paciente na beira do leito que propõe um bem com chances  de danos faz lembrar a observação do poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867): se um entendesse de fato o que o outro está querendo lhe dizer, eles nunca concordariam entre si. 

Detalhar as adversidades é preciso, mas que em determinadas circunstâncias a comunicação tem um quê de violência psicológica que sustenta o binômio autonomia-consentimento, isso não tenho dúvida. O quantum satis de Medicina defensiva? Alô Bioética!

 

 

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