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469- Bioética, política e inferno

Por vezes, quero crer que a Bioética representa um recurso político a ser inserido no contexto de “Ciências Políticas” com o qual uma minoria orienta o comportamento moral da maioria. O contexto da política como ciência moral normativa, como meio para a obtenção de efeitos almejados, como força representativa é aplicável à beira do leito, cujo mundo real admite expressões frequentes de contraposição entre necessidades de beneficência validada pela tecnociência, alertas de não maleficência associados ao potencial de adversidades e  respeito ao direito de exercício da autonomia. O bem e o mal direcionados pela Bioética oscilam numa dimensão que está mais para política do que para filosófica.

Há situações na beira do leito onde resultantes das visões de contraposições da aplicação da Medicina são auto-evidentes e, então, as condutas (não fazer, fazer com ajustes, fazer assim mesmo) assemelham-se a dogmas ou a heresias e ficam resolvidas na intimidade da relação médico-paciente.

Mas também há situações onde existe menor clareza sobre reais consequências das contraposições que dificultam  a tomada de conduta, e, por isso, a escuridão e a ambiguidade determinadas pela impossibilidade de aplicação de padrões absolutos para uma decisão demandam uma representação ética, moral e legal participando da conexão médico-paciente. É quando a Bioética pode colaborar  nas interpretações flexíveis sobre prudência/imprudência, zelo/negligência.

Quando consideramos o tema de modo amplo, é possível vislumbrar certos aspectos cuidados pela teologia, especialmente em suas origens como um recurso político para ordenar comportamentos. Assim, sem maiores pretensões além do sentido prático, percebo válido fazer um exercício de analogia com o inferno entendido como um prolongamento da vida para receber castigo.

Um inferno para o médico contemporâneo é o temor de sofrer um processo ético, civil ou penal. Assim, é preciso que o atendimento termine sem perspectivas de continuar “vivo” para punições. Permitindo-me uma licença “teológica”,  que o término do atendimento seja a morte eterna do mesmo e não uma persistência “infernal” de sofrimento eterno (alta hospitalar sem insatisfações, “morrendo o compromisso específico”,  e não geradora de manter-se “vivo” como  ulterior representação).

Assim, a Bioética da beira do leito auxilia cada médico a refletir sobre a gestão ética da beira do leito, lidar com a diversidade do “bom para”, construir respostas como expressões de harmonização a realidades conflituosas, enfim, preencher a necessidade de se contar com um instrumento que oriente os médicos a encontrar o melhor caminho de saída em meio a um labirinto de vias de beneficência, não maleficência e autonomia, que faça o atendimento “morrer na alta” e, assim, evite ir parar num inferno processual- ou da própria consciência.

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