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468- Transtorno de deficiência de atenção às necessidades do paciente

Não sei se é verdade, mas já ouvi que na Arca de Noé entraram um casal de médicos e um casal de pacientes que, subsequentemente, foram adotados por Hipócrates que se empenhou em lhes transmitir os preceitos éticos que devem reger a relação médico-paciente. Tenho minhas dúvidas pois o monte Ararat não é tão perto assim da ilha de Cós e as datas não são muitos compatíveis, mas, como é uma presunção que não se pode nem confirmar nem refutar, prefiro aproveitar como reforço metafórico da concepção que não há dilúvio que possa eliminar a legitimidade da relação médico-paciente ambientada na moralidade da beira do leito, seus comportamentos em relação a regras e valores.

Sem dúvida, 26 séculos pós-Hipócrates,  a maioria dos atendimentos no Brasil ocorre com licitude ética, certa percentagem com zonas cinzentas cujas interpretações podem gerar dúvidas e o pouco restante admite rótulos de infração a artigos do Código de Ética Médica. Muito embora se deva ensinar como atuar corretamente, cabe a mestres e a órgãos de fiscalização profissional utilizar ilícitos como material didático, alertas para a evitação, a tal da lição moral.

Não necessariamente, a conduta do médico fora dos preceitos éticos prejudica o paciente, quer no aspecto técnico, quer no aspecto moral. Há muitas situações em que o teor dos artigos infringidos não se refere a envolvimentos diretos de atendimento ao paciente. Entretanto, os que cuidam deles são os mais preocupantes e merecem maior consideração. As infrações assim tipificadas poderiam ser reunidas sob a denominação de Transtorno de deficiência de atenção às necessidades do paciente, quer por imprudência, quer por negligência, quer por ambas.

Há uma série de causas para o Transtorno de deficiência de atenção às necessidades do paciente e um destaque refere-se a uma supervalorização pró-ativa do saber tecnocientífico em relação a comportamentos reativos do paciente nos âmbitos dos binômios beneficência-maleficência e autonomia-consentimento.

A bem da verdade, quando a apreciação negativa do tipo maleficência>beneficência é gerada pelo médico que percebe um comprometimento da segurança proibitivo na aplicação do benefício conceitual ou pelo paciente que utiliza critérios próprios muitas vezes de difícil compreensão, nestas situações,  não se pode falar em Transtorno de deficiência de atenção às necessidades do paciente.

Já uma situação de maleficência>beneficência determinada por desinformação, descaso ou má-fé, reais fatores de imprudência e/ou negligência, tipifica o Transtorno de deficiência de atenção às necessidades do paciente.

A Bioética tem particular atenção ao Transtorno de deficiência de atenção às necessidades do paciente pela associação ao binômio autonomia-consentimento.  Há certa superficialidade em aceitar rapidamente um não consentimento do paciente, que desconsidera os meandros da condição humana frente à acentuação da vulnerabilidade do paciente. Como nos ensina Hannah Arendt (1906-1975), contradições e antinomias criam a impossibilidade de conceber a liberdade ou o seu oposto, contradições entre a nossa consciência e nossos princípios morais (“somos livres”) e nossa experiência cotidiana no mundo exterior (“um primeiro fato condiciona a um segundo”  -princípio da causalidade).

É de se crer que a beira do leito foi de fato expulsa do Paraíso!

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