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455- Nascemos iguais, mas a sociedade provoca diferenças

Dos quatro princípios da Bioética, o da Justiça é o menos analisado na beira do leito, pois depende menos da relação médico-paciente e mais das disposições do sistema de saúde. Ademais, Justiça é uma virtude que só existe se a fizermos, ou seja, precisamos estar bem conscientes do que se trata. Ou seja, o ser humano precisa ser justo para fazer Justiça. Médicos são justos trabalhando com técnico-ciência? Com certeza, em seu significado de íntegros, honestos e legítimos profissionalmente com cada paciente sob sua responsabilidade. Todavia, as atribulações do dia-a-dia do médico que cuida diretamente de paciente costuma impedir que a maioria envolva-se com Justiça no sentido de assegurar o estabelecimento da igualdade coletiva. Cada médico, em sua missão na beira do leito, aplica bem atrás de bem, evita mal atrás de mal, respeita um sim ou um não e, por isso, ele considera que tudo está justo no âmbito de uma Medicina qualificada que reserva a seus pacientes. Já os olhares sobre o discriminatório na Saúde e seus vieses sócio-econômicos ficam adstritos ao movimento político, poucos se envolvem.

É habitual que cada médico exiba um nível de disposição sobre as questões da igualdade, o nosso Código de Ética Médica menciona-a, mas, na prática, cabe ao gestor de Saúde cuidar do seu valor em vários níveis de atuação, empenhar-se pelas providências de cumprimento. São eles – nem sempre médicos- que assumem responsabilidade pela força para efetuar as transformações que permitem aproximar a sociedade do preceito constitucional  a Saúde é direito de todos e dever do Estado, direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988.

É notório que parte da população brasileira carece da disponibilidade – pelo menos do imediatismo ideal- de métodos que de alguma forma passam pelo filtro dos demais três princípios: contemplar a beneficência, observar a não maleficência e respeitar a autonomia. Tem-se o consentimento do paciente, mas ele não é o pedágio final para o emprego recomendado, como esperado. A excelência convive com a imperfeição, o que significa que a igualdade não se realiza conforme pretendido como útil e eficaz em diretrizes clínicas.

A questão que se levanta com fundamentação na Bioética é então: De que vale o progresso técnico-científico se ele não se associa à equidade? A poucos quilômetros de distância, médicos aplicam o estado da arte e pacientes usufruem dela, e ao mesmo tempo, médicos não o aplicam dispondo-se a fazê-lo muito embora haja toda uma fundamentação constitucional e o conceito do SUS entre nós associando universalidade, integralidade e equidade.

Uma resposta simplista é que progresso na Medicina refere-se à pesquisa em técnico-ciência e considera um coletivo e que  assistência admite um aspecto social complexo que combina inclusões e exclusões multifatoriais. Um desdobramento reflexivo é que a motivação do desenvolvimento e aperfeiçoamento de métodos deve ser sempre as necessidades do ser humano. Caso contrário seria algo vazio de conteúdo social, por exemplo, a academia voltada apenas para currículos, carreiras e índices h. Mas, cada um tem o seu papel numa visão de pluralidade de responsabilidade.

É por isso que a alocação de recursos sob a óptica do coletivo e do individual é tema dos mais relevantes sob fundamentação da Bioética. Não, porém, que a qualidade da gestão seja consideração secundária.

Aristóteles (384 ac-322 ac) viveu em época próxima a de Hipócrates (460 ac-370 ac) e um de seus pensamentos voltados para a área da saúde foi: “… o médico não considera tão somente saúde, ele considera saúde humana e, presumivelmente, muito mais porque ele cuida de um paciente num determinado momento…”. Resumindo, o filósofo privilegiou a individualidade das necessidades de saúde, vale dizer, se determinado paciente não puder ser beneficiado com os métodos conhecidos, para que eles existiriam? Equidade como princípio tão essencial como os demais que sustentam a Bioética dita principialista.

Considerando a metáfora da ponte para o futuro de Van Rensselaer Potter (1911-2001), que Justiça podemos esperar na área da Saúde caso a implantação do big data, inteligência cognitiva e quetais não se acompanhe de redução da desigualdade  de oportunidade de usufruto do sentido humano de saúde pela sociedade em geral?

 

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