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444- Uma segunda de primeira

Segunda opinião ou segunda primeira opinião? Na minha experiência, as duas denominações são aplicáveis. Há a situação em que o objetivo maior visa ao endosso de uma conduta já com a ideia de consentimento  à primeira opinião bem encaminhada  pelo paciente e há a situação onde há o forte desejo do paciente em redirecionar a recomendação. Faz-se presente, ainda, a segunda segunda opinião, algo como uma terceira opinião desempatadora. Não se verifica, comumente,  a expressão pelo paciente da ideia de possibilidade de erro profissional, mas de dúvidas sobre os melhores métodos de acerto, o que ocorre em pacientes mais proativos em relação a cuidados com a própria saúde. Mais recentemente, existe um arremedo de segunda opinião representado pela consulta do paciente a informações disponíveis na internet, classificável como opinião de segunda (qualidade).

Observa-se muita emoção no paciente/familiar que procura uma segunda opinião. Ele, habitualmente, está sob  impacto de um diagnóstico que o assusta ou de uma recomendação terapêutica que lhe causa forte apreensão, tendo como pano de fundo pensamentos sobre perspectivas de mau prognóstico e o sofrimento relacionado.

Três princípios da Bioética envolvem-se com a segunda opinião. O princípio da autonomia está envolvido com características de personalidade bem como com aspectos culturais do paciente que atuam sobre motivação e satisfação como base para o consentimento. O princípio da beneficência relaciona-se com confirmação/mudança da conduta – que pode variar desde nenhuma, pequena, moderada ou totalmente distinta (há influência do tipo de especialidade)- e desejo de obtenção de mais esclarecimentos qualificados, especialmente quando o diagnóstico implica em mais influência sobre morbidade e mortalidade, assim como quando os sintomas persistem sem diagnóstico e o princípio da não maleficência implica nas adversidades previstas e/ou já ocorridas. Cada caso costuma apresentar uma certa hierarquização dos princípios interligados exercendo efeito no processo de consentimento em que uma segunda opinião é almejada e realizada.

Ponto expressivo de interesse da Bioética da Beira do leito é o quanto eventuais mudanças no processo do consentimento acarretadas por uma segunda opinião – estimadas em não mais do que 20-30%- impactam na evolução dos casos. Dentro do conceito de interdisciplinaridade que sustenta a Bioética, é desejável que a opinião  suplementar seja bem agregada à original numa articulação que faz lembrar as antigas conferências médicas e que hoje sustenta o conceito de time (intercâmbio de conhecimentos). É justificativa para que o médico da segunda opinião que ocorre não por encaminhamento médico, mas por iniciativa do paciente/familiar e muitas vezes de maneira escondida, recomende ao paciente retornar ao colega da primeira opinião e manifestar o resultado da segunda opinião, colocando-se à disposição para o diálogo.

Aspecto essencial ligado à Bioética é a atitude do médico de evitar o paternalismo e, assim, apresentar prós e contras de opções, sem decidir de fato para – e pelo- paciente. O médico que faz a segunda opinião precisa refletir bem sobre este aspecto do princípio da autonomia, um desafio ao paternalismo quando a motivação do paciente pode ser justamente a de procurar uma autoridade para lhe proporcionar mais clareza – vale dizer direcionamento- sobre a opção mais conveniente.

 

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