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155- Bioética. Uma pedra no sapato do pesquisador?


sisifoDireitos humanos: Somos a favor. Mas não deixamos de bradar contra “sub-punições” conforme nosso  próprio juízo.

Ecologia: Somos favor. Mas não deixamos de bradar contra a proibição da remoção destas “poucas árvores” que impedem a construção do nosso projeto ou contra a eliminação daquele spray “tão bom”, afinal, não serão as minhas poucas bombeadas que vão perfurar a camada de ozônio.

Bioética: Somos a favor. Mas me deixem contribuir para o progresso da Humanidade com as minhas pesquisas e não me impeçam de medicar este paciente indeciso com a droga nova que tem alta chance de desacelerar a doença.

Estas dissonâncias comuns a 3 salvaguardas da Humanidade ilustram o cabo de guerra que ocorre no cotidiano. De um lado, o politicamente correto- quem se atreve a se declarar contra-, e de outro lado a infinita diversidade de interesses centrados no narcisismo, no egoísmo, na cobiça, na ambição- muitas vezes não declarados ou expostos com subterfúgios. Liberdade versus acorrentamento, o pessoal e o coletivo em alternadas contraposições dependendo da circunstância.cabodeguerra

Todas 3 existem pretendendo evitar maldades contra a Natureza. Elas ganharam plataformas de consenso de utilidade, muito embora os militantes mais vigilantes  nem  sempre sejam acolhidos como bioamigos.

O espírito da Bioética nasceu com Hipócrates. Ele sabia que não sabia muito. Ele era consciente da pobreza de recursos benéficos. Ele intuía a necessidade de evidências, inclusive descobrira que mascar a folha do salgueiro- fonte do ácido acetil salicílico- aliviava as dores do parto. Da sua integridade, da capacidade de discernir certo e errado, da noção de respeito entre seres humanos dissociado de designo dos deuses, Hipócrates desenvolveu o pensamento que ninguém deveria ser exposto a malefício isento da possibilidade de benefício. Crendices, no máximo as “inocentes” que, hoje se sabe, até podiam funcionar como placebo.

Por meio de muitos caminhos tortuosos, a visão hipocrática de Não Maleficência foi preservada e difundida. E tornou-se 25 séculos depois de sua morte em 370ac, a milhares de km da ilha grega de Cós, na localidade estadunidense de Belmont, Massachusetts, ponto de referência capital para o desenvolvimento do Princípio da Beneficência.

A Beneficência de Belmont e a Não Maleficência de Hipócrates são unha e carne, pois métodos diagnósticos e terapêuticos devem apresentar, idealmente, maximização de benefícios e minimização de malefícios.  Ter certeza de malefício zero significa não tentar o benefício, seja por contraindicação, seja por não consentimento. Almejar o benefício significa arriscar-se ao malefício. Xifópagas no pensamento.

É fato que o clássico e as inovações amadurecidas na chamada fase de mercado e que caminham para o clássico estão razoavelmente conhecidos em relação à gangorra benefício-malefício. Desta maneira, o “pé no chão” proporcionado pelo maior peso do potencial de malefício invoca a visão acauteladora da Não Maleficência-vale fazer?. Já o “pé no chão” dado pelo maior peso do potencial de benefício hierarquiza a visão animadora da Beneficência-será útil e eficaz. Um sobe e desce de incertezas e de probabilidades na busca do equilíbrio que precisa da Bioética como lubrificante do eixo apoiador.

São inovações sob análise que trazem mais chances para que o ativista da Bioética não seja recebido como um bioamigo. Especialmente, quando o pesquisador focado no seu objetivo primário, entusiasmado numa rigorosa concepção de um estudo de fase III, por exemplo, acelerado na direção da conclusão, tropeça num alerta bioético que recomenda alterações. Alta chance de haver um conflito entre defesa de preceitos da técnico-ciência e resguardo de fundamentos do humanismo.

O pesquisador não ignora que o seu experimento pode causar danos, ele não conhece exatamente a dimensão e a frequência dos mesmos, mas se não pesquisar, como saberá? A referida xifopagia de pensamento está presente, mas o foco na Não Maleficência é objetivo “não primário”. O dano ao voluntário fica na conta de um risco inevitável para que se possa concluir a respeito do objetivo primário beneficente.

A desejável randomização de valor científico cria um acaso selvagem para o voluntário dissociado do pesquisador. Dependendo do  grupo -inovação ou controle- o voluntário arrisca-se aos malefícios ou perde toda chance do benefício. Nada imoral pós- esclarecimento/consentimento livre a um projeto de pesquisa ético. Todavia, é uma randomização do destino da vida do voluntário, uma espécie de troco do “pagou para ver”. Calos emocionais são necessários.

Por tudo isto, entendo que seja útil reforçar a difusão de meia dúzia de conceitos bioamigos  sobre a concepção e a aplicação de Pesquisa clínica com essência da Bioética:Presentation1

 

Isto posto, forma-se espaço para propagar meia dúzia de esclarecimentos sobre os cuidados da Bioética a respeito da pesquisa clínica:Presentation59

Fator relevante de não aceitações da Bioética- assim como dos Direitos Humanos e da Ecologia- é a provocação de uma sensação de ameaça à liberdade profissional e de violência contra o desenvolvimento “exigido”.

Recentemente, Steve Pinker,  professor de Psicologia da Harvard University, retratou a paixão pela Pesquisa, revelou os traços da energia narcisista que considera o trabalho de benfeitoria da Pesquisa maior do que a preocupação da Bioética com os feitos e efeitos individuais e coletivos. bioethics/JmEkoyzlTAu9oQV76JrK9N/story.html

Sintetizo abaixo o artigo de Pinker, conforme a minha re-leitura:

  1. Pense nos entes queridos que faleceram prematuramente.
  2. Pense nos entes queridos que sofreram de doenças incapacitantes e letais.
  3. Considere que nas duas últimas décadas, houve uma redução de 35% da perda de anos de vida por doenças.
  4. Considere que foram os avanços de fármacos, cirurgia  e epidemiologia que reduziram perdas de anos de vida por doenças recalcitrantes.
  5. Mentalize a sua felicidade se os entes queridos falecidos estivessem ainda ao seu lado e se os debilitados se revigorassem.
  6. Conclua que é a Pesquisa biomédica que proporciona  enormes ganhos na vida, na saúde e no bem-estar.
  7. Portanto, deixe a Bioética fora da Pesquisa clínica.  Get out of the way o seu discurso de dignidade, sacralização da vida e justiça social e o seu terrorismo sobre danos especulativos para o longínquo futuro.
  8. Podemos lidar com os danos quando eles aparecem. Não precisamos de mordaças, moratórias e intimidação de processos éticos.
  9. A Pesquisa biomédica estará sempre mais próxima de Sísifo do que de um trem descontrolado.
  10. A Bioética trabalha para rolar a pedra montanha abaixo.

Entusiasta da Bioética que sou, desejo lembrar a quem possa concordar com a mensagem do Prof. Pinker que é compromisso de nascença da Bioética não comungar com uma noção de progresso a qualquer preço. Tão importante quanto o outro pilar  pétreo de contribuir para a obtenção de benefícios ao tempo de vida e à qualidade de vida.

A História da Humanidade é cruel. É ingenuidade desconsiderar os conflitos de interesse, as fraudes, as ambições imorais. Talvez o sobrenome Pinker influencie uma visão cor de rosa da Pesquisa que até poderia ser aplicada à maioria, mas há a minoria inconsequente do profissional que se imagina detentor de um poder extraordinário, perigo capital para a Humanidade conforme legado de Nuremberg e de Helsinki.

Quanto a Sísifo, embora discorde  de  representar uma metáfora para a Pesquisa, pois nenhum esforço do pesquisador é  repetidamente inútil, penso que a Bioética até ajuda a dar um sentido ao trabalho incessante, tanto montanha acima, como empurrão abaixo.  Pedra-pesquisa ética sobe, pedra-pesquisa anti-ética desce.

Prof. Pinker, a sua metáfora faz cogitar que o absurdo trabalho sem parar de Sísifo e os estragos de uma pedra rolando eternamente sobre uma montanha, colocam  os Direitos Humanos e a Ecologia no mesmo lado da Bioética no cabo de guerra, oposto ao do seu criticismo! Prefiro a Pesquisa clínica do “nosso” lado.

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