Assim, desenvolveram-se as diretrizes clínicas com dimensão de efeitos baseada essencialmente em estudos randomizados, constituindo-se em bíblias da beneficência. Frente à avalanche de informações, para evitar se asfixiar, os médicos aceitaram aderir à manada das diretrizes clínicas confiando numa beneficência globalizada e com credibilidade avalizada por uma sociedade de especialidade.
A responsabilidade dos membros de comités de elaboração de diretrizes tem um forte compromisso com a humanidade que inclui não somente o afastamento de influências por conflito de interesses e de ganhos secundários, como também, e de modo essencial, com a interpretação dos estudos clínicos, o que acontece também, evidentemente, para quem isoladamente pretende guiar-se na literatura.
A Bioética da Beira do leito preocupa-se com eventuais interpretações ligeiras de conclusões sem que tenha havido um juízo crítico sobre o que está escrito entre a palavra introdução e a palavra conclusão nos artigos, por exemplo, detalhamentos sobre critérios de inclusão/exclusão, características pessoais e peculiaridades evolutivas dos voluntários das pesquisas. O problema é que muitos só leem os quadros e não leem tais tipos de considerações no texto das diretrizes clínica. É desejável que cada membro responsável pela elaboração de diretrizes clínicas interprete os estudos clínicos que possam subsidiar a beneficência na beira do leito, disponha-se a aplicar um nível de significância pela óptica pessoal, além da significância estatística apresentada. O valor de p como probabilidade estatística e pensamento crítico.
A Bioética da Beira do leito ainda tem um alerta aos navegantes de diretrizes clínicas: Diretriz clínica não é a carapuça vermelha que confere poderes mágicos ao saci pererê de uma perna só. O médico é um bípede cognitivo e se uma perna representa a experiência coletiva da literatura, a outra representa a experiência pessoal, aquela de fato vivenciada com pacientes que embora assemelhados não são os mesmos das pesquisas, sem a qual o equilíbrio – e a ética – fica comprometido.
É convicção baseada em mais de cinco décadas de vivência na beira do leito e que não me permite perder o cacoete da propedêutica clínica e o sotaque dado pelo raciocínio clínico baseado em essências da medicina em prol da beneficência.
Não conflita com a admiração pela tecnologia para o diagnóstico, a terapêutica e a prevenção. A beneficência contemporânea não pode desconsiderar que a clínica persiste soberana, mas, ao mesmo tempo, as lacunas de percepção de sua majestade têm sido preenchidas com eficácia pelo vigor da imagenologia, por exemplo.
A preocupação da Bioética da Beira do leito, entretanto, é que a rotina de utilidade incontestável de métodos com alta tecnologia resolutiva obscureça o interesse pelos aspectos da essência da medicina e pelos pensamentos sobre os labirintos do caso clínico. Em outras palavras, um receio a respeito da ideia que um simples toque poderá indicar a saída do labirinto pela simples razão de este labirinto estar num ser humano.