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1379- O gosto salgado do não consentimento (Parte 3)

Aspecto contemporâneo essencial é que a disposição recíproca entre médico e paciente contenha a imprescindível realização do direito à autonomia pelo paciente, a preocupação pelo uso não abuso, na cultura da beira do leito. Tem como um de seus substratos que recomendações médicas perfeitamente alinhadas com o estado da arte (beneficência) e com eventuais peculiaridades biológicas do paciente (não maleficência) podem resultar em adversidades. Aliás, inexiste risco zero de adversidade para a maioria dos métodos de préstimo na atenção à dualidade saúde-doença.

As adversidades consideradas na beira do leito correm por conta das diversidades técnicas e humanas e incluem aspectos biológicos- alergia, insuficiência de órgão, supostas antes da aplicação do método ou de fato acontecidas – e mentais, antecipatórias – valores, como na recusa religiosa à transfusão de sangue, objetivos – como possibilidades de perda da capacidade física para certas realizações valorizadas – e preferências – como imperiosidade de submissão a protocolos pós-procedimentos, como no transplante de órgãos.

Não raramente, especialmente face às incertezas inatas na medicina que sustentam atitudes como convicção sobre determinada utilidade o jamais isenta de dúvida sobre realizar-se de fato útil, martírio da estatística, conexões na beira do leito estabelecem-se com o médico projetando como parte de seu profissionalismo ênfase no lado bom da conduta terapêutica, oportunidade para a beneficência que alivia dor/ sofrimento e transforma o prognóstico natural, e o paciente, por sua vez, a configurando pelo lado mau, pessimista, assemelhando-a a uma caixa de Pandora, um repositório de adversidades. O quantum satis do potencial de adversidades que deve comunicar ao paciente é dilema de responsabilidade recorrente do médico e o não dito pode desencadear imaginações e resgate de memórias desagradáveis, ainda mais pela possibilidade atual de encontrar na internet.

Cogitações sobre adversidades articulam-se à eventualidade do não consentimento pelo paciente capaz à recomendação do médico. É força  de impacto sobre a referida justaposição. De modo paradoxal, a robustez da disposição recíproca presente na justaposição contribui para chances de o Não do paciente seja transformado num Sim.

Transmutações ocorrem, quer porque o médico bem reciprocado com o paciente dispõe-se a entender motivos da recusa, reexplicar e fazer ajustes – paternalismo, o brando- , quer porque o paciente evolui na resposta por si mesmo, dando um tempo para se recuperar de um nocaute mental pela “má notícia”, ouvindo uma segunda opinião, ou percebendo o agravamento clínico, vale dizer, o Não inicial pode ser provisório e nada ter a ver com falta de confiança do paciente no médico e na medicina.

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