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1304- Bioética e Jardim de Éden

Os médicos foram expulsos do Jardim do Éden, escravizados por decorrências da condição humana e a Bioética representa a abertura do Mar Vermelho na rota para Terra prometida por Hipócrates. Uma maluquice? Talvez… Mas faz pensar. Por um instante, o bioamigo tentou achar alguma coerência com verdade, alguma razão… confesse!

Uma possibilidade é focar no porque do desenvolvimento das transgressões que se acumulam e concordar com a decorrente necessidade de permanente preocupação com exame de condutas/qualificação ética, moral e legal, promoções de correções, sequentes reavaliações dos valores pretendidos no ecossistema da beira do leito.

Quando fazemos uma análise trans histórica dos Códigos de Ética Médica que se sucederam no Brasil fica claro que a “verdade moral” sujeita-se a uma interpretação feita em determinada ocasião, adaptativa, alinhada à tecnociência e à sociedade, que emerge e circula com efeito de poder sempre um “plantão com prazo de validade”.

Nestes 55 anos de atividade profissional já me adaptei a cinco edições de interfaces entre verdade e poder, saber e poder, consumindo sob a representatividade normativa do Conselho Federal de Medicina, o que de alguma forma articula o exercício da medicina à normalização de comportamentos, condutas diagnósticas, terapêuticas e preventivas, bem como de vontades humanas.

Há o treinamento do saber útil, as incorporações individuais “ao seu modo” e há a vigilância no contexto do uso e do abuso. A “normalidade” admite variantes “indisciplinadas”  e as expansões e as limitações esforçam-se sob ópticas variadas para marcar fronteiras  com o transgressivo. Qualificar o diferente como admissível ou não é tarefa difícil, mas um ponto de apoio facilitador é antes de qualquer rótulo, abanador ou não, dispor-se a fazer a análise de prós e contras, ou seja, valorizar a vigilância contínua de causas e efeitos.

Assim bioamigo, creio que fica mais palatável a ideia que os médicos foram expulsos do Jardim do Éden e por isso, nasceu a consciência moral que sustenta a pessoa e o profissional que de certa forma repete-se em cada formando em medicina e vai maturando ao longo da carreira, acumulando feitos mais ou menos elogiáveis do seu interior.

Nenhuma inocência pré-profissional, pois os médicos estão na dependência de si mesmos, sujeitos a experimentar o fruto da árvore do bem e do mal, a vivenciar ansiedade, a ter sentimentos de culpa, a conviver com dúvidas sobre responsabilidade, a dosar a criatividade e o conformismo, a expor-se a sensações de onipotência pelos cada vez mais entusiastas métodos à mão, a conviver com expressões mais clínicas ou subclínicas de burnout – tudo isto a escravidão acima referida. Num terreno misto de criatividade, originalidade e regramento, a Bioética tem valor de abertura do Mar Vermelho, travessia com esperança para de mais adequada iluminação aos encontros com desafios, conflitos e dilemas.

A Bioética de contexto clínico organiza-se em Comitês. Comitês de Bioética reúnem uma comunidade de interpretação que apesar da constituição idealmente sustentada por transdisciplinaridade é vista monoglota. Captam adeptos que pensam e se expressam de um modo peculiar, seus membros buscam falar uma mesma língua. Porém, a beira do leito tem muitos dialetos, exige uma comunicação poliglota.

Exagero? Talvez, mas vale pelo simbolismo, pelo recado que os Comitês de Bioética não representam pretensões de reintegração de posse do Jardim do Éden, à habitação em um condomínio fechado. Os Comitês de Bioética intencionam serem peripatéticos, comunicar-se conforme as circunstâncias, de certa forma ter algo a ver com o mito de Prometeu, uma contribuição grega que guarda analogia ao mito de Adão e Eva da tradição judaico-cristã.

Forças conflitantes atuam e para driblar que +1 -1 é igual a zero exigem mergulhos para identificar o submerso do iceberg, trazer à superfície da mente, estimular o interesse para prover produtividade num ecossistema tão sensível, caleidoscópico e enigmático como o da beira do leito. Paul Max Fritz Jahr (1895-1953), Van Rensselaer Potter (1911-2001), Belmont (1978) e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (2005) são inspirações.

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