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1277- Em detrimento de. Privilégio e Bioética (Parte 1)

Bioamigo, há situações em que reagimos de modo irresistível. Acontece quando um relâmpago de pensamento seleciona opções e aciona imediatamente a língua. Não sei, exatamente porque, mas, quando por exemplo nos perguntam quem somos, respondemos habitual e prontamente com a profissão. É bom sinal. Acho…

O fato de médicos assim se comportarem indica uma identidade simbiótica, coesão indivíduo-profissional, interdependência entre subjetividade e objetividade, apego à autoimagem profissional, prazer no trabalho, consciência acerca da sustentação científica do que praticam pela saúde e da legitimidade do exercício de um poder normativo/regulador na sociedade. Bem, nem sempre é verdade, alternantes estados de espírito existem… Pensando bem, é também bom, pois, como se sabe, estados de irritação têm o dom de aflorar verdades dissimuladas e força a exposição de dúvidas. Recordando René Descartes (1596-1650): A existência do pensamento da dúvida significa que eu existo, o que inclui como é que eu existo.

Médico é uma profissão. Quando o Homo sapiens deixou a condição de bando e organizou-se em tribos, aldeias e cidades, portanto estabeleceu residência fixa e a possibilidade de maior número de membros de quando nômades pelas florestas, desenvolveu-se a necessidade da diferenciação em tarefas.

Na Grécia antiga, Hipócrates (460 aC- 370 aC) destituiu os deuses do privilégio de cuidar da saúde humana e criou bases éticas para quem desejasse se tornar médico. Delas nasceram salvaguardas sobre o que um ser humano poderia ser capaz de provocar em outro ser humano com o objetivo de cuidar da saúde.

A tradição persiste com o ponto alto final do Juramento de Hipócrates: Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça. 

Médicos estão no top 5 das profissões mais importantes para a sociedade, assim destacando  e amplificando honrado para sempre entre os homens. É avaliação influenciada pela visão da população – médico(a) incluso-, momento a momento, sobre realidades que percebe – ou imagina- acerca de responsabilidades, oportunidades e privilégios do ser/estar/ficar médico(a). É impactada por expectativas, tanto realizadas quanto frustradas, numa distribuição que ocorre afetada por peculiaridades regionais do nosso imenso país. Não faltam notícias que no entorno de locais de atendimento à saúde, sucedem-se avaliações muito menos qualificadas, que direcionam do zênite para o nadir.

A Bioética da Beira do leito valoriza o pensamento de Bertrand Arthur William Russell (1872-1970): Os fanáticos costumam ser seguros do que dizem enquanto que os mais sábios são cheios de dúvidas. Há muitas dobras (plexus) na arte de aplicar medicina, o que significa que médico(a) está sempre desdobrando complexidades. A Bioética da Beira do leito é convicta da multiplicidade de aspectos envolvidos nos imperiosos ajustes da hierarquia do pensamento abissal – aquele que confere à ciência a distinção entre verdadeiro e falso -, às heterogeneidades do caráter humano na aplicação e na recepção da medicina sempre em evolução. Na aplicação do tecnocientífico há muitos objetivos, muitas vontades, muitos caprichos que frequentemente excedem possibilidades.

Assim, contundências críticas sobre origens, disposições e consequências da prática dos métodos diagnósticos, terapêuticos e preventivos associadas às necessidades de respeito a ordens clínicas de indicação/não indicação/contraindicação costumam para uns serem amenizadas como simples tempestade em copo d´água, por entendimento de desproporção entre efeito preocupante e real relevância clínica e para outros serem ampliadas para a ideia de um copo d´água na tempestade, expressando insuficiência da abrangência e/ou da profundidade no lidar com a questão.

Acelerado mutante, estado da arte vigente com seus indissociáveis amparos tecnocientíficos, éticos, morais e legais requer sequentes atualizações do The Doctor, a pintura icônica de Sir Samuel Luke Fildes (1844-1927) exposta na Tate Gallery em Londres.   

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