Doenças existem. Saúde é conceito complexo. Bem-estar é almejado. Progresso e adversidades se chocam. Ser/estar/ficar médico e ser/estar/ficar paciente são desafios ao Homo sapiens. A Bioética se movimenta, procura seus espaços, dispõe-se a contribuir, ganha expansões e sofre limitações, insiste pela força mental de uma militância fiel.
A Bioética da Beira do leito interessa-se pela integração humana no ecossistema da beira do leito. Persevera pelo compromisso com uma potência de atuar, almeja expandir-se para conservar a utilidade. A interação favorece-se pela presença de uma dimensão afetiva, essencial para a empatia, para a obtenção de mútua compreensão que quando se trata da saúde convive com instabilidades, ambivalências e inconstâncias.
A Bioética da Beira do leito entende que médico e paciente podem manifestar alternâncias sobre a relação desejo-utilidade sobre um método diagnóstico, terapêutico ou preventivo, ou (não)deseja por julgá-lo (in)útil em si, ou a (in)utilidade é que vem em função do (in)desejo.
Um desdobramento de enorme interligação com a Bioética é representado pela recomendação que etiquetada como de aplicabilidade pela medicina na circunstância clínica não resulta apresentar-se como desejo por utilidade pela óptica do paciente. Flutuações entre imaginativo e ilusório num entorno de efeitos da memória são causa frequente. A memória profissional composta pela tecnociência orienta e a memória do paciente influenciada pelas peculiaridades da própria biografia determinam ajustes na interpretação difíceis de serem compreendidos fora do contexto afetivo-biográfico.
A conexão médico-paciente carrega certo embaralhar entre contestável, incontestável, dúvida, certeza, temor, confiança e expectativa. Uma estabilidade precária em função destas variáveis é comum nos processos de tomada de decisão no ecossistema da beira do leito. Vozes ativas distintas se fazem presente e influenciam na recomendação/aceitação de condutas. Aspectos sociais contam muito na orientação moral. A edição de 1945 do Código de Ética Médica continha em seu Artigo 3º que É dever do médico procurar tolerar os caprichos e as fraqueza do doente, que não se oponham às exigências do tratamento, nem possam agravar a afecção. A edição atual de 2018 diz em seu Art. 31 que É vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas. A Bioética teve influência na modificação.
Há o óbvio que médico e paciente devem se conectar com respeito mútuo numa cenário de alta relevância da medicina e ciências da saúde em geral validada e disponível.
Há a teoria e há a prática. Há o esperado e há o inesperado. Há o certo e há o incerto. O inegavelmente ético prevalece, mas quais são os efeitos dos impactos dos dilemas éticos do cotidiano?
Alô Bioética! ecoa em hospitais. Quem se importa exatamente?
Um cenário habitual: Residentes costumam reagir com resistência diante do exercício pelo paciente do seu direito de não consentimento à recomendação médica sem dúvida correta. A reação é de crítica, tentativa imediata de mudar a decisão focado no conhecimento da medicina. Aos poucos, o jovem médico percebe que a recusa não é técnica e sim de como o paciente enxerga a relação benefícios-malefícios de um modo geral.
A Bioética envolve-se pelo lado médico com a análise da real competência para a boa prática e pelo lado do paciente com a certeza de capacidade cognitiva para o não consentimento que pode ser prejudicial para o prognóstico clínico.
Em relação à competência do médico, conhecimento e habilidade não se modificam na circunstância do Não, todavia há a exigência de desenvolvimento de atitudes. Quanto à capacidade do paciente, é essencial assegurar-se das condições fundamentais para processar a informação e decidir de acordo com seus desejos, preferências, objetivos e valores.
A Bioética da Beira do leito julga essencial frisar que o não consentimento pelo paciente não significa necessariamente desvalorização/desconfiança da competência profissional do médico, ou seja, não se refere a aspectos morais do médico servir ao paciente, mas a uma prerrogativa do paciente de ter controle da própria vida.
O direito à autonomia pelo paciente capaz não existe de modo isolado da beneficência e da não maleficência, sequer da equidade. O principialismo na Bioética, apesar dos óbices na abrangência e na profundidade de apreciação caso a caso, facilita lidar com o (não) consentimento, avaliar se provisório ou definitivo. Especialmente quando a integração beneficência/não maleficência/autonomia é realizada em cada uma das etapas do processo decisório – leia-se efeito da bilateralidade do diálogo esclarecedor pari-passu.
Uma sucessão de Sim ou Não ou Talvez como condutora prudente do melhor ajuste médico-paciente-medicina traz as vantagens de evitações, como do desperdício de recursos, do lacônico Assine Aqui em Termo de Responsabilidade e, inclusive, dos temores que levam à prática da medicina defensiva.
Simulação de situações de desafios éticos/morais/legais inspiradas nas realidades, em fatos marcantes condicionantes, treinamento de atitudes em complemento ao tecnocientífico e reconhecimento do valor da transdisciplinaridade são essenciais na formação – graduação e pós-graduação imediata.