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1272- Medicina defensiva (Parte 3)

Medicina defensiva é termo de uso recente. Sua participação no ecossistema da beira do leito admite parentesco com a medicina baseada em evidências. São primas que valorizam intenções opostas, aquela articuladas a desconfianças, esta alinhadas a confianças.

As origens da medicina defensiva não se relacionam com a fidelidade ao que se crê suficiente, ao bastante moral da boa-fé quanto ao que se faz. Elas transcendem o sentido interno de obrigação do médico com a aplicação do estado da arte.

A medicina defensiva é impulsionada pelo receio com possibilidades perturbadoras, pela ansiedade sobre avessos de resultados, pela inquietação com caleidoscópicos “perigos” vindos de fora e que encontram terreno propício em inseguranças profissionais e em indeterminações, imprecisões e complexidades tecnocientíficas da medicina. Em português claro, medicina defensiva nutre-se do temor de ser processado por alegações de má-prática profissional. Como dito por François de La Rochefoucauld (1613-1680) O orgulho não quer dever e o amor-próprio não quer pagar.

Por mais que haja a convicção clínica, em se tratando de biologia é sempre necessário deixar uma abertura para a dúvida, ensinamento eterno no ecossistema da beira do leito. A conjugação ao Sempre Alerta do escotismo, ao vai que popular, ao provérbio seguro morreu de velho. Num ponto maior, eclodiu a medicina defensiva. É clássico o médico no caso seguinte a de uma experiência de mau resultado desejar se valer de mais salvaguardas, a questão é justamente a dimensão das providências.

O termo medicina defensiva não costuma cair bem em vários ambientes do exercício da medicina pela conotação de “exagero preventivo”, consumo desnecessário de recursos, por exemplo, por excesso de solicitação de exames complementares para reafirmar observâncias ou eliminar possibilidades de inobservâncias clínicas. É o positivo da prudência e do zelo de certa forma sentido como não-imprudência e não-negligência.

O termo medicina defensiva representa incertezas “compulsivas” sobre suficiências da correta aplicação da prudência na tomada de decisão e do zelo na aplicação do consentido, em que contam muito inevitáveis posturas divergentes pela pluralidade da condição humana, especialmente quando ocorrem frustrações de expectativas do paciente/familiar. O sentimento de percorrer uma corda-bamba a qualquer momento agitada por circunstâncias e circunstantes estimula contar e recorrer a uma rede de proteção nomeada como medicina defensiva.

Há 55 anos quando me graduei em medicina, a rede de proteção numa suspeita clínica de pneumonia era anamnese detalhada e ausculta e percussão dos pulmões, mais uma radiografia do tórax. Atualmente, reduziu-se a confiança nestes métodos muito embora uma pneumonia não tenha mudado na expressão propedêutica e imagens mais sofisticadas são exigidas. Deu-se uma contaminação da desconfiança nos métodos “primitivos” que levou a hierarquizar que avaliações negativas têm chances de um falso-negativo, assim exigente de uma propedêutica “mais profunda”, “biopsiante”.

Certo? Errado? Na habitual falta de unanimidade sobre o tema, a Bioética prefere avaliar o leque de decorrências com imparcialidade.

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