PUBLICAÇÕES DESDE 2014

1251-Valências no ecossistema da beira do leito (Parte 13)

A Bioética da Beira do leito entende que a adjetivação por esclarecido do consentimento – exigência ética para a aplicação da conduta aplicável- deve conotar uma expansão além do tão somente da informação tecnocientífica pelo profissional da saúde. Há outras “informações/esclarecimentos” que costumam vir de fora da conexão profissional da saúde-paciente. Trata-se da chamada autonomia de relação, onde familiares, amigos, colegas, membros da comunidade, opinam e impactam no identitário do paciente e, consequentemente nas valências de opções de conduta, inclusive causando ambivalência.

Algo que abala a adjetivação do consentimento como estritamente livre. A Bioética da Beira do leito adverte que a liberdade teórica para definição de valência sobre conduta para o exercício do consentimento pelo paciente convive com uma não liberdade prática multidimensional emocional, social e financeira- influências do cônjuge, dos pais, dos filhos, da situação de trabalho, de adesão ao convênio, etc…

Em momentos clínicos onde predominam cenários de uma terminalidade de vida, expressões de ambivalência por indecisão pelo paciente entre paliação já e ainda insistência terapêutica na fronteira da obstinação/futilidade, cabem ser entendidas como uma legítima união de opostos. Justifica-se a não apreciação como repartidas pela cogitação que a tensão da dúvida gerada pelo paciente transcende sobre vacilar entre valores referentes ao modo de continuidade da conduta, mas na concentração do seu pensamento sobre o que o destino lhe reservou sobre a extensão da vida.

Nenhuma das duas condutas seria uma preferência falsa ou irreal, o absoluto da questão é como a “decretação prognóstica” de terminalidade provoca fraqueza de valência de ambas, algo como juntar a objetividade de eventual positiva e eventual negativa num tanto faz subjetivo. As (não)valências que o paciente frequenta na terrível circunstância representam condição de refém do “irreversível inevitável”, e, por isso, contraposições resultam justapostas.

Assim, muito embora, haja necessidade de uma definição de conduta, haja uma decisão com forte participação da compaixão dos circunstantes, em pacientes em situação de terminalidade da vida, pode não haver, de fato, um desejo dividido sobre o que fazer, como se houvesse, após conscientizar-se da irreversibilidade do pior prognóstico, um desejo (inconsciente?) pela inércia – “parada” do tempo cronológico em nome de um tempo qualitativo-, pela manutenção do status quo materializado na indecisão. Eventuais condutas a serem selecionadas para o consentimento ficam em plano inferior à angústia no extremo, ao desespero (des-espero, não espero nada mais ou nada menos) frente à comunicação de si para si da morte bem próxima. Desalento pela desesperança.

Não há linguagem representativa de Sim ou de Não que possa causar reversão do fato maior, pois a verdade não obedece… e este tipo de verdade prognóstica não muda. A pouca procura no Brasil pelo registro de diretivas antecipadas de vontade (testamento vital) atesta este ponto de vista. Vontade é indissoluvelmente desejo e movimento e como este depende de um pensamento após uma inicial imaginação, refreia-se o desejo – que determina o grau de valor do documento-, nenhum esforço, pelo contrário, até mesmo aversão à ideia de um dia enfrentar tal des-espero, vale dizer a negação de algo de-terminado.

Por fim, bioamigo, é válido para todas as cinco gerações de profissionais da saúde que atualmente convivem no ecossistema da beira do leito e orientando-se dentro do possível pela medicina baseada em evidências – que associou evidência com objetividade de valência de métodos em grau maior quando rotulável como dimensão de efeito I e nível de probabilidade A-, que enquanto o paciente não se decide pelo Sim ou pelo Não a uma recomendação de aplicação de um método, não há como escapar de imobilidades na aplicação de condutas. Terceiros podem ajuizar, de imediato ou tempos depois, como infração ética, transferindo a situação de ambivalência no consentimento para a responsabilidade do médico sobre perda de oportunidade. É em nome da prudência em relação ao direito do paciente ao princípio da autonomia que reside a defesa sobre indevidas acusações de mau uso de valências.

COMPARTILHE JÁ

Compartilhar no Facebook
Compartilhar no Twitter
Compartilhar no LinkedIn
Compartilhar no Telegram
Compartilhar no WhatsApp
Compartilhar no E-mail

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POSTS SIMILARES