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1237- Identidade, independência e cooperação unidas pelos valores (Parte 3)

Profissionais da saúde trabalham com uma fidelidade técnica virtuosa que é nutrida por uma sucessão de provisórios legítimos e que é instada a esquecer o que precisa ser esquecido – ou guardado no  arquivo morto da memória- para dar lugar ao que o presente exige etica, moral e legalmente que agora seja cotidianamente lembrado. Atualizações de diretrizes clínicas ilustram, representam rios mentais, águas renovadas desde fontes (de evidências), contidas por beiras (éticas e legais) e direcionados para deságues homogeneizadores (no paciente).

O profissional da saúde aprende cedo a necessidade de aplicar a tecnociência ao paciente considerando o paradoxo de sorites formulado por Eubulides de Mileto que viveu na Grécia no século IV aC, portanto contemporâneo de Hipócrates (460 aC- 370 aC). Tendo como pano de fundo a incerteza de quanto de redução numérica de um monte de 1000 grãos seria admissível para não mais permitir a denominação de monte, ou o inverso, quantos grãos precisariam ser acumulados desde um solitário para justificar chamar de monte, na busca por medidas certas, o profissional da saúde incorpora que subjetividades – e circunstâncias- influenciam os limites entre o adequado e o inadequado, o aceitável e o inaceitável, o essencial e o supérfluo.

Na determinação de doses – quer de um fármaco, de uma investigação diagnóstica, de palavras emitidas ao paciente- , o profissional da saúde trabalha numa calibragem entre os extremos da toxicidade e do niilismo. Em função da representatividade prática do paradoxo de sorites, o profissional da saúde nem sempre tem facilidade em distinguir quando deixa de ser tóxico ou quando desaparece o niilismo. A existência dos efeitos placebo e nocebo é ilustrativa. As dificuldades são mais analisadas nos aspectos tecnocientíficos e menos na comunicação interpessoal, realidade que amplia a necessidade da cooperação transdisciplinar de natureza pedagógica para a formação dos atributos de  identidade e de independência profissionais.

A Bioética da Beira do leito entende que tanto o exagero quanto o reducionismo devem ser evitados no ecossistema da beira do leito, mas, ao mesmo tempo, acolhe que pelas imprecisões de juízo conforme alertado pelo paradoxo de sorites, graus “fronteiriços”, “invasões” no exagero ou “restrições” no reducionismo, podem trazer utilidade em certas situações. Por exemplo, quando algum exagero contribui para motivar a atenção de um paciente renitente no não consentimento à terapêutica perante um conhecido mau prognóstico da evolução natural da doença, ou quando um reducionismo facilita ao leigo a compreensão de informações envolvidas em complexidades. Não infrequente, a preocupação por evitar o exagero acaba caindo em reducionismo e vice-versa, razão do altíssimo valor da constante presença do espírito do paradoxo de sorites na aplicação da prudência no ecossistema da beira do leito. Os antigos se expressavam pelo desafiador termo latino quantum satis.

Quando no século XVIII,  William Wiithering (1741-1799) começou a prescrever a digitalina usando o método do exagero, ele aplicava doses até ocorrerem sinais e sintomas de intoxicação digitálica e a seguir as reduzia. Foi tão somente na década de 40 do século XX que o manejo de doses de fármacos adquiriu maior segurança pela publicação do livro The Pharmacological Basis of Therapeutics por Louis Goodman (1906-2000)  e Alfred Gilman (1908-1984).

O profissional da saúde é instado desde cedo a obter conhecimentos por meio de sínteses como em textos científicos – artigos em revistas científicas, capítulos de livros, diretrizes clínicas emitidas por sociedades de especialidade-, em normas institucionais e em códigos gerados por órgãos de classe. Como costumam ser compactações de complexidades (plexus=dobras), as formas viáveis de comunicação, os desdobramentos decorrentes acarretam chances de leituras desiguais, inclusive exageradas ou ultra resumidas. Interpretações heterogêneas são fontes de contenciosos que requerem a participação de juízos do saber e da sabedoria.

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