O ato do consentimento pelo paciente a uma recomendação na área da saúde deve ser apreciado no âmbito das inter-relações entre ciências da saúde e ser humano. A autenticidade do (não) consentimento vai além da confiança biótica (no profissional) e abiótica (no método) e do convencimento da validade para o que acontece.
A reação Sim ou Não a uma conduta validada para a circunstância clínica associa-se mais às percepções do paciente sobre o impacto da medicina sobre a dor e o sofrimento atuais e futuros do que ao compromisso ético do médico com o prognóstico.
O Sim privilegia a visão de potencial de benefício enquanto que o Não atrela-se ao potencial de adversidade/inocuidade quer física quer psíquica. Há forte influência tanto do quadro clínico quanto da classificação da recomendação como terapêutica ou preventiva.
Há distinção entre presença de sintomas/sinais e a seguir os cuidados tecnocientíficos com os mesmos e primeiro a suposição de ocorrências levando a investigações e recomendações.
Termo de consentimento livre e esclarecido é individual e a indiferença profissional ao mesmo configura transgressão ética, uma violência tendo como instrumento a medicina.
Por isso, o médico tem duas etapas a cumprir neste contexto de aceitação ou não pelo paciente da sua recomendação. A primeira é a solicitação do consentimento e a segunda é a continuidade sobre a resposta. A solicitação e a eventual continuidade após um Não alinham-se à prudência- ética e virtude. A continuidade após um Sim é do âmbito do zelo.
É cenário onde se manifestam atitudes que podem ser nomeadas como paternalismo. Violências representam o paternalismo forte, que é inadmissível. Já o paternalismo brando deve ser um caminho, contudo requer certas reflexões.
No caso do consentimento, o zelo, ou seja, a aplicação qualificada dos métodos autorizados é uma forma de paternalismo brando ligada a legitimidades de proteção, cumprir os passos-a-passos a fim de maximizar o sucesso/beneficência/reversão e minimizar o insucesso/maleficência/intercorrência/sequela.
No caso do não consentimento, a disposição para o paternalismo brando representa antônimo de pronta indiferença profissional. Por mais que haja o respeito ao Não, a vivência na beira do leito ensina que ele pode ser provisório, o que implica na conveniência de uma continuidade cordial pelo diálogo objetivando compreender razões da negativa. Não é incomum que novos esclarecimentos em função da percepção de fatores como equívocos de compreensão, medo, experiências traumáticas e influências de terceiros, além da ampliação do tempo entre estímulo e resposta, levem a uma mudança consciente do Não para o Sim.
Assim sendo, a Bioética da Beira do leito enfatiza que a beira do leito contemporânea requer um treinamento sobre ontologia dos limites éticos/morais/legais. Discernir entre o aquém-de e o além-de é desafio permanente acerca do momento para privilegiar o confim e do momento para privilegiar admissibilidades de transgressão.
O atual Código de Ética Médica (2018) contém um exemplo claro destas interações complexas entre o biológico e o social da aplicação tecnocientífica na saúde. Considerando os artigos 31 e 32, o respeito a um deles pode significar a transgressão ao outro.
Para a preservação ética impõe-se um exercício de interpretação sobre as circunstâncias que se beneficia do apoio de um Alô Bioética!