PUBLICAÇÕES DESDE 2014

1176- Sem dúvida, temos dúvidas (Parte 15)

A exposição do jovem médico sobre a luta para conciliação entre seus conceitos e o que lhe é apresentado pela supervisão da Residência médica fez-me pensar na parábola de Franz Kafka (1883-1924): “… ele tem dois adversários: o primeiro (o seu interior) acossa-o por trás, o segundo bloqueia o caminho à frente (o mundo real). O primeiro ajuda-o na luta contra o segundo, pois quer empurrá-lo para frente, e, do mesmo modo, o segundo o auxilia na luta contra o primeiro, uma vez que o empurra para trás. Mas isso é assim apenas teoricamente, pois não há ali apenas os dois adversários, mas também ele mesmo, e seu sonho é saltar fora da linha de combate e ser içado à posição de juiz sobre os adversários que lutam entre sim…”.

AFL relutava em se submeter, doía a perspectiva de vivenciar vindouros prejuízos do seu idealizado envolvimento com as necessidades de cada paciente. Apegava-se ao incrustrado compromisso consigo mesmo com a excelência tecnocientífica. Ele verbalizava o que muitos residentes de medicina pensam mas não expõem.

Achei muito bom que ele movimentasse a percepção e se prontificasse à crítica dos atravessamentos que prenunciavam sofrimentos. Não há dúvida que melhor compreensão representa ganho de harmonia na convivência com ressignificações reativas a um dinâmico mundo real, como ocorre no ecossistema da beira do leito.

Houve o cuidado para que a formatação das apreciações se mantivesse afinada com a Bioética. Perpassamos aspectos éticos, morais e legais do profissionalismo contemporâneo com ênfase na comunicação que foi o motivo imediato da reunião.

No relatório que faço habitualmente após reuniões deste tipo e que servem de fonte para o blog, registrei que analisamos aspectos da medicina baseada em evidências, do uso das diretrizes clínicas- mecenas do estado da arte- num movimento pendular entre radicalismo e resignação quanto a um efeito manada; que enfatizamos o valor da experiência de fato vivenciada acerca de autenticidade e de legitimidade; que distinguimos a virtude da tolerância no universo de grande progresso científico e da disponibilidade tecnológica e, inclusive, decorrências sobre o prognóstico.

Consideramos que as palavras uma vez emitidas no ecossistema da beira do leito seguem um caminho próprio nem sempre previsível, inclusive o trajeto como bumerangue com retorno afinado ou não com a intenção do lançamento. Lembramos a observação de Carl Gustav Jung (1875-1961): O encontro  de duas personalidades simula o de dois compostos químicos, reagem e se transformam. Discutimos a validade para a beira do leito da sabedoria de Aldous Huxley (1894-1963): A experiência só pode ensinar o que pode ser ensinado pois ela não é o que acontece a alguém, ela é o que é desenvolvido por este alguém com o que lhe acontece.

Contei-lhe um pouco sobre minha continuada metamorfose de estar médico por mais de cinco décadas, resistências a vários sussurros do anjinho mau, ou seja, da impossibilidade de evitar desafios, conflitos e dilemas e como um fio condutor moral permitiu nas contrariedades evitar desnaturação do ser médico e fortalecer  o que me comprometia comigo mesmo. Comentei os preços com que tive que arcar, alguns até caros, mas nada do dispêndio que me tornasse desafortunado em relação ao meu exercício profissional. Expliquei que a  consciência profissional é modulada pelas limitações.APF1

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