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1169- Sem dúvida, temos dúvidas (Parte 8)

Não sou rotulador à primeira vista, quer dizer, já fui, mas consegui me livrar por influência da Bioética, contudo, é impossível os olhos experientes na recepção de angustiados não provocarem uma impressão inicial, ajudado pelo olhar de relance que o médico desenvolve. Era nítido que apesar da cadeira confortável- você só aponta a desconfortável quando já imagina a inconveniência da visita-  o jovem médico estava incomodado, mal se continha para acionar o gatilho da língua que já estava destravado.

Se ele fizesse um self, sairia o retrato – ainda não falado- de um ser humano tenso para despejar sua fala, metralhar o ambiente com palavras e aguardar o eco que produziria. Naquele fogo aceso, havia uma panela de pressão com CRM a minha frente, contendo o que pretendia me alimentar para saber, compreender e ponderar. Nela colocara os ingredientes de sua insatisfação. O que será que cozinharia?

Pois é, bioamigo, o jovem médico ali pertinho, na distância pessoal considerada pela proxêmica (75 cm a 120 cm, aquela em que um não pode tocar no outro mas dá para ter um diálogo confortável), mas a medida mais adequada para considerar não era a de espaço, era a de tempo. Meio século, de um lado, nos distanciava pela quantidade da vivência em anos e, por outro lado, nos aproximava pela qualidade da experiência pretendida de ajuda. Corresponde a mais do que 18 mil dias, tempo suficiente para que eu tenha aprendido, já desde a faculdade, que não se deve recusar uma solicitação de conselho, menos para que seja de fato seguido – pois se sabe que mais serve para reforço do que o solicitante já delineou -,  e mais para repassarmos o tema para nós mesmos. Cada diálogo, uma reciclagem. E quanta besteira nós nos consertamos…

Assim que deixei o computador, abri uma nova janela, agora na mente, para uma rápida recordação preparatória para o encontro. Segundo o download da memória desde o hipocampo, como os cientistas entendem sua sede – como o bioamigo com mais idade deve se lembrar, o computador foi inicialmente chamado de Cérebro Eletrônico, na década de 60, o que sugere que o modo humano de lidar com simultaneidades foi inspirador para o windows, em 1985-, pelo celular, o jovem me dissera, apreensivo e irritado, que estava preocupado com sua estabilidade emocional e inquietava-se com a perspectiva de uma crise existencial.

Preocupou-me! É o tipo da situação pessoal e social que inibe qualquer indiferença defensiva, especialmente para um profissional da saúde que lida com iminências de danos. É sabido como certos questionamentos sobre propósitos consomem muita energia psíquica e o esgotamento pode gerar respostas equivocadas por diversos fatores. Um destes é o instinto de sobrevivência profissional que abriga o potencial do desejo e da cobiça. Por isso, pelo cumprimento da ética, a travessia pela carreira se contrapõe a efeitos nocivos do par, por exemplo, comportamentos do imperativo narcisismo maligno na beira do leito, como se esta fosse sua posse.

A Bioética da Beira do leito entende que esta conjuntura admite o simbolismo do Ulisses amarrado ao mastro do navio passando pelo canto das sereias – leia-se conflito de interesses.

A misteriosa sensação que perturbava sua identidade profissional não tendia a diminuir. Percebia-se rolando numa crescente bola de neve profissão abaixo, confuso sobre a inserção no ecossistema da beira do leito. Já conjecturara se não seria uma tempestade em copo d’ água, mas e se fosse? O que sentia era verdadeiro. Somava e subtraia os pontos que vinham à mente, mas a conta não fechava.

BálsamoPor isso, o jovem médico, após aquele período de relutância dos humanos, decidiu que precisava, eufemisticamente, de um bálsamo. Assim mentalizar o tipo de terapêutica ajudava a se convencer que apesar de intuir que suas divergências o posicionavam frente a uma complexidade, o remédio que lhe seria prescrito era simples. Se sentia na pele a reação ao exterior que vinha de dentro de si, que fosse transcutâneo para a devolutiva.

Acrescentemos esta metáfora à coleção da Bioética, aliás ela é boa para absorver significados de palavras. Recentemente ouvi que Bioética é vento que dissipa nuvens cumulus nimbus, trazendo a meteorologia para a beira do leito, quem sabe mais um partícipe útil para a necessária transdisciplinaridade.APF1

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