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1167- Sem dúvida, temos dúvidas (Parte 6)

O coração tem razões que a própria razão desconhece admite inúmeras interpretações, certamente expandindo o pensamento original de Blaise Pascal (1623-1662). Como cardiologista, apreciei várias, mas também, e principalmente, a ideia sobre o que o coração conhece muito bem, como o valor da alternância periódica dos ventrículos entre contrair-se para expulsar e relaxar para receber, o que equilibra o trabalho cardiopulmonar.

Foi útil para compor o meu entendimento sobre o valor diálogo na beira do leito. Há o momento para contrair a língua emissora e há o momento para dilatar a recepção pelos ouvidos. Se houver apenas o monólogo é coração de pedra (stone heart), se silêncio indiferente é takotsubo.

Instrumento essencial da educação, o diálogo bem intencionado por sua reciprocidade com autenticidade promove uma interpessoalidade de respeito e de confiança. Bons diálogos conectam pensamento e linguagem, rejuvenescem a mente, evitam mofo nos neurônios, dão status para cordas vocais e tímpanos. Consagram escritores, especialmente no gênero dramático.

A Bioética da Beira do leito adota o diálogo como essência, hierarquiza a chave simples e arguta do diálogo que abre as portas da mais adequada compreensão entre interlocutores. Uma boa conversa facilita o alcançar o busílis. Se continuarmos com a referência cardiológica, o diálogo tem o potencial de fazer o coração feliz e as artérias pulsarem satisfeitas … Registrável no esfigmomanômetro.

Diálogo tem tudo a ver com razões de imortalidade de Hipócrates. Ele promove a educação da próxima geração de médicos e a reciclagem entre as gerações atuantes- atualmente são cinco convivendo numa mesma beira do leito -, considerando que a beira do leito necessita de uma atuação ininterrupta de médicos através dos tempos.

O diálogo conjuga intenções e consequências que desembocam no contexto do Princípio fundamental  II do Código de Ética Médica 2018 – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.  Máximo e melhor demandam pluralidade.

Hospitais que promovem a Bioética valorizam a pluralidade em tudo que possa se referir ao ser humano necessitado de atenção à saúde. São poucos no Brasil.

Porque o “meu” hospital possui um núcleo de Bioética, porque um seu profissional está desde há muito interessado em Bioética, porque a ética e a moral obrigam-se a existir por necessidades pessoais e coletivas, porque escolhi, após observar o que acontecia com os mais velhos, que a militância em Bioética – locomotiva-substituta ajustada à faixa etária- seria uma forma de hospedar o tempo de serviço já completado para aposentadoria sem efetivamente sofrer de abstinência profissional, até porque obrigações intelectuais e atarefadas são elixires da preservação da saúde mental e porque me apraz dispor-me à missão institucional orientadora da Bioética, tudo numa agradável fusão, renovei o entusiasmo quando recebi um telefonema no celular.

Quando era somente telefone fixo, atendíamos mais descontraído. Com o celular, frente a um número desconhecido, criou-se algum grau de hesitação. Atendi, apresentou-se como um jovem médico que estava … Como será melhor dizer conforme uma impressão apenas à teledistância? Apreensivo… Creio que define bem o que transpareceu no viva-voz. Pretendia uma reunião, se possível que fosse marcada… para ontem. Uma determinação suplicante. Agradeceu muito a minha aquiescência. A primeira dúvida dissipara-se, seria recebido. Já se imaginava aproveitando a oportunidade, quem sabe isso, quem sabe aquilo, sairia melhor? Pior? Frustrado?

Já me acostumei com a apreensão do noviciado médico, afinal passei pelo personagem, outros tempos, é verdade, a Bioética de Potter – não o Harry, mas o Van Rensselaer- nem havia florescido – muito menos nascido – para organizar alguma ajuda. Mas, inquietações do ser humano, especialmente nas interfaces profissionais, parecem atemporais e agora a Bioética existe. A aproximação da formatura traz sensações misturadas e já com número de CRM aposto num carimbo-identidade, cada novo caso baralha a coleção principalmente pelos solavancos das complexidades e a sequência dos estranhamentos as dispõe em distintos graus de presença e influência.

Uma cristalização de pelo menos um tipo de inquietação é comum ao longo da Residência médica. Ela é inicialmente entendida como falta de traquejo acerca das finalidades profissionais e provoca manobras amadoras. Contudo, quando ganha projeção perturbadora, não raro predisposta por alguma marca psicológica no passado do profissional da saúde, configura uma dramática inadaptação sintomática que encurrala e exige alguma solução.

É questão de felicidade, de satisfação, de qualidade de vida. É melhor que as providências resolutivas ocorram no curto prazo, pois quando se jogam as dificuldades intactas para debaixo do tapete, elas intumescem e, por isso, o que se pretende invisível torna-se um visível calombo e que provoca um inevitável e doloroso tropeço mais adiante. Cicatrizes podem ser maiores.

Quanto mais precoce se der a iniciativa de resolução, mais se pode admitir que a inquietação esteja sendo de alguma forma energizada por um compromisso interno com a autenticidade mútua entre pessoa e profissional, o que não deixa de ser bom. Ajustes pessoa-profissional são sempre necessários e nos obrigam a reinterpretações da simbiose, por isso, expressar um SOS a quem se dá crédito e responde com feedback qualificado aquieta. Útil desde o primeiro ano da faculdade.APF1

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