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1147- Preocupação profissional na beira do leito e Bioética (Parte 3)

Hipócrates como todo homem-época não podia realizar sozinho a visionária “medicina do futuro”, exigiu assistentes que comungassem os propósitos. Os discípulos de Hipócrates precisavam substituir as pitonisas, porta-vozes de Apolo, algo como não vá ao Olimpo, vá ao meu “consultório”.

As pitonisas eram hábeis em transmitir entusiasmo (palavra que significa deus dentro de si – en-theo) quando manifestavam suas informações, que, em geral, eram suscetíveis de mais de uma interpretação. A  ambiguidade  – Apolo era chamado de O Ambíguo- forçava o consulente a rever a situação, reconsiderar e reestruturar, ou seja, mais do que um conselho, um estímulo – aproxima-se da psicoterapia e faz sentido com o princípio da autonomia – que mexe com o interior e leva para além de si -, demandando, então um estado de confiança. Mas, como intuído por Hipócrates, ineficaz para evitar a história natural das doenças conhecidas.

O psicólogo Rollo Reece May (1909-1994) assinala que as várias estátuas antigas de Apolo compartilham olhos dilatados, mais abertos do que os do ser humano e de outras estátuas gregas. Significaria o sentimento de apreensão que se associa à propensão para olhar em volta, ver profundamente, ter luz no olhar, na visão do poeta. Bioamigo, como juramos em sintonia com Hipócrates por Apolo à formatura, sinal de que havia o que manter dos deuses, o olhar de preocupação dos médicos é atávico, justifica-se porque, afinal, são todos herdeiros universais do Pai da Medicina.

Vinte e seis séculos desde então, o “pensar adiante” proposto pelo Pai da medicina com o “primum non nocere” é essência do profissionalismo na saúde dado que ele lida não somente com o risco/benefício catalogado, como também com a incerteza, a ambiguidade, o desconhecido, o imprevisível.

Por vezes, na beira do leito, há, de fato, um cenário acontecendo e demandando uma solução imediata, por vezes, o cenário é hipotético, suposição tão somente. O profissional da saúde, bioamigo, é um nômade, ele está constantemente transitando entre o real e o imaginário a bordo da memória.

É um desdobramento das preocupações inicias ligadas às dúvidas sobre seu desempenho para a admissão na faculdade conditio sine qua non para se tornar um profissional da saúde. Elas podem ter acontecido na medida ou de modo excessivo, mas parece que nunca mais irão embora, cada caso é um novo exame. A persistência se dá sob metamorfoses infinitas, todas, enfatizo bioamigo, por assim dizer, decorrentes do ingresso no curso superior pela disposição de se tornar um profissional da saúde.

O simbolismo do número do CRM sintetiza! Cada bater do carimbo representa um martelar de rememoração da responsabilidade que atinge pregos diferentes, inclusive inéditos, procurando vencer resistências. Alerta que não é possível transformar o exercício da medicina num simples caminhar tecnicista por algoritmos, onde a preocupação se resume a uma seleção entre Sim e Não.

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