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1142- Humor na beira do leito (Parte 3)

Bioamigo, na beira do leito, o humor, como em qualquer outro espaço, requer um propósito. Necessita a conjugação do que acontece, da memória sobre ocasiões similares e do juízo crítico sobre a conveniência e a projeção de consequências, o que não deixa de se beneficiar da criatividade em face dos desafios e dos dilemas.

A disposição para o humor na beira do leito não se antagoniza com a seriedade, não é comportamento destituído de respeito a regras e valores desejáveis na beira do leito. O humor, no entanto, exige calibragem, pois ele tem alto potencial para atingir a intimidade e a privacidade do paciente. É particularmente útil para reposicionar a tendência de fixidez quase que automática de semblante fechado do profissional da saúde perante o paciente/familiar ao longo de um atendimento.

Para os que veem o humor na beira do leito uma desconsideração, lembro que portadores de deficiências não se furtam de, eles mesmos, contarem histórias que focam em seus problemas, como os deficientes auditivos a respeito de surdez, em diferentes versões de línguas de sinais como a brasileira Libras:

Um violonista compra um violino e deseja experimentar num local isolado.

Vai para o deserto. Aparece um leãozinho esfomeado.

O violinista toca uma música de ninar e o leãozinho adormece.

O violonista quer fugir dali, mas aparece a leoa-mãe.

Ele volta a tocar a música de ninar e a leoa adormece.

Surge o leão-pai.

O violinista confiante repete a música de ninar.

O leão aproxima-se cada vez mais e devora o violinista.

Era um leão surdo!

 

Há o riso/sorriso aberto, há o riso/sorriso contido, mas qualquer gradação é uma expressão do interior, uma explosão ante um estímulo externo, uma libertação de tensões e limites, enfim, uma reflexão que não se esconde, uma reação que desarranja, desmonta, motiva reconstruções. Já presenciei usos do humor com maestria na beira do leito, verdadeiras prescrições pelos bons efeitos adjuvantes resultantes, sinalizações de que haverá uma manhã melhor.

Tive o ponto de viragem pela observação crítica de uma paciente, professora do primeiro grau e que estava sempre lendo um dos livros amontoados na cabeceira e que se apressava a trocar de óculos quando alguém da equipe se aproximava, não sem antes marcar a página com uma gaze- atenção da enfermagem. Recém-formado, plantonista numa UTI – uma estrutura que começava no Brasil-, após acompanhar o médico da paciente fazer sua visita, voltei ao quarto para explicar um procedimento. Ouvi mais ou menos o seguinte: Doutor, o senhor é jovem, estou acostumada com crianças – ela riu e eu também- e deve seguir o exemplo dos mais velhos, mas, por favor, não seja como o Dr…. que parece que coloca uma máscara de extrema sisudez, sei lá se para melhor se impor, mostrar competência, doutor o paciente quer que o seu médico tenha momentos de descontração, dispense a cara de velório, sorria para o paciente, não é desrespeito, não é zombaria, não gera desconfiança da competência, enfim não é ridículo, até facilita suportar muitas tristezas, o sorriso do médico significa que o paciente pode ter esperanças de vir a melhorar.

Bioamigo, foi mais do que veia, foi direto no átrio direito, uma infusão de emoção por um intracath da razão. Sim, o humor é capaz de produzir boa imagem, eco e ressonância, é um “ultra” som. Interessante que o reforço à observação da paciente chegou logo depois. Um acaso em prol da pedagogia. O anestesista para o procedimento contou uma piada para a paciente, pegou os livros da cabeceira, folheou-os, fez um trocadilho com o titulo de um deles, perguntou se o diretor do hospital sabia para que finalidade estavam usando as gazes e saiu dizendo que se a paciente não gostasse dos sonhos durante a anestesia, ele repetiria numa dose mais forte, era só mandar chamá-lo. Ele não deixou de dar as explicações técnicas necessárias e tudo não demorou. O anestesista entendia de sensibilidade, e, confesso, fiquei “anestesiado” por alguns segundos, incorporando o exemplo nas entranhas. Aquele comportamento cabia! O humor é fator de interação social, é inclusivo, beneficia gerar descontração, otimismo, sublinhar o que ele explorou.

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