PUBLICAÇÕES DESDE 2014

1140- Humor na beira do leito (Parte 1)

Bioamigo, o tempo é implacável. Aproximo-me dos 60 anos desde a entrada na Faculdade de Medicina. Um dos dividendos da coleção de décadas é o maior número de vivências sobre as metamorfoses do exercício profissional, cuja análise crítica enquadra-se no conceito que uma geração educa a outra. Pois é bioamigo, além deste tempo quantitativo há o tempo qualitativo que na mitologia grega refere-se a Kairós, o deus do momento oportuno – e que, dentro do tempo de Chronos tem forte implicação no desenvolvimento de estratégias terapêuticas na beira do leito.

Tornar-se calouro é tão transformador, traz tantas legitimidades, tantas interrupções, tantas obrigações, que duvido que algum profissional da saúde possa escapar de mudanças fundamentais na maneira como passa a exercer a intersubjetividade, pessoal e profissionalmente. Além de tudo, ressurgimentos, efeitos pendulares não deixam de se fazer presentes com a maturidade profissional. Uma constante reavaliação de respeitos e de violações desde o observatório 360 º chamado beira do leito.

A faculdade é marcante sob vários aspectos, muitas cenas são indeléveis. Justificam, inclusive, que recordar é viver. Tenho na memória, por exemplo, que meus professores – sisudos na maioria – e os ambientes que frequentei como interno tinham fortes objeções ao humor na beira do leito, não seria território apropriado perante dor e sofrimento.

A beira do leito não seria risível, um tabu (proibição). Não se pensava na possibilidade dos efeitos humanos benéficos em Doutores da Alegria- cerca de 20 anos foram necessários para termos entre nós a contribuição do médico estadunidense Patch (Hunter Doherty) Adams (nascido em 1945) que fundou o Instituto Gesundheit (Saúde em alemão), em 1971. Não haveria um salvo-conduto moral para o profissional da saúde promover comicidades perante um paciente. Assim, pelo menos, decodificava do meu entorno de formação profissional e incluía entre as preocupações que deveria ter acerca da opinião alheia sobre o meu profissionalismo.

Neste contexto, aquela inevitável sensação de um sorriso interno quando nos deparamos com um segundo caso com uma semelhança ao acaso logo após o primeiro – nenhum deles causador de sorriso em si-  e que tornam duas pessoas numa abstração, não seria uma reação do humor, tão somente um comportamento mecanizado proporcionado pela rotina. Será que a explicação é esta mesmo? Não teria sido engraçado pela pequena chance de um acaso quando todos presentes riram, por exemplo, quando, uma manhã, chamei um paciente no ambulatório do InCor e se apresentaram dois homônimos com nomes incomuns? Bioamigo, o humor pode ter várias facetas, neste caso uma mensagem de reforço da responsabilidade de bem identificar quem será atendido.

COMPARTILHE JÁ

Compartilhar no Facebook
Compartilhar no Twitter
Compartilhar no LinkedIn
Compartilhar no Telegram
Compartilhar no WhatsApp
Compartilhar no E-mail

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POSTS SIMILARES