Bioamigo, o tempo é implacável. Aproximo-me dos 60 anos desde a entrada na Faculdade de Medicina. Um dos dividendos da coleção de décadas é o maior número de vivências sobre as metamorfoses do exercício profissional, cuja análise crítica enquadra-se no conceito que uma geração educa a outra. Pois é bioamigo, além deste tempo quantitativo há o tempo qualitativo que na mitologia grega refere-se a Kairós, o deus do momento oportuno – e que, dentro do tempo de Chronos tem forte implicação no desenvolvimento de estratégias terapêuticas na beira do leito.
Tornar-se calouro é tão transformador, traz tantas legitimidades, tantas interrupções, tantas obrigações, que duvido que algum profissional da saúde possa escapar de mudanças fundamentais na maneira como passa a exercer a intersubjetividade, pessoal e profissionalmente. Além de tudo, ressurgimentos, efeitos pendulares não deixam de se fazer presentes com a maturidade profissional. Uma constante reavaliação de respeitos e de violações desde o observatório 360 º chamado beira do leito.
A faculdade é marcante sob vários aspectos, muitas cenas são indeléveis. Justificam, inclusive, que recordar é viver. Tenho na memória, por exemplo, que meus professores – sisudos na maioria – e os ambientes que frequentei como interno tinham fortes objeções ao humor na beira do leito, não seria território apropriado perante dor e sofrimento.
A beira do leito não seria risível, um tabu (proibição). Não se pensava na possibilidade dos efeitos humanos benéficos em Doutores da Alegria- cerca de 20 anos foram necessários para termos entre nós a contribuição do médico estadunidense Patch (Hunter Doherty) Adams (nascido em 1945) que fundou o Instituto Gesundheit (Saúde em alemão), em 1971. Não haveria um salvo-conduto moral para o profissional da saúde promover comicidades perante um paciente. Assim, pelo menos, decodificava do meu entorno de formação profissional e incluía entre as preocupações que deveria ter acerca da opinião alheia sobre o meu profissionalismo.
Neste contexto, aquela inevitável sensação de um sorriso interno quando nos deparamos com um segundo caso com uma semelhança ao acaso logo após o primeiro – nenhum deles causador de sorriso em si- e que tornam duas pessoas numa abstração, não seria uma reação do humor, tão somente um comportamento mecanizado proporcionado pela rotina. Será que a explicação é esta mesmo? Não teria sido engraçado pela pequena chance de um acaso quando todos presentes riram, por exemplo, quando, uma manhã, chamei um paciente no ambulatório do InCor e se apresentaram dois homônimos com nomes incomuns? Bioamigo, o humor pode ter várias facetas, neste caso uma mensagem de reforço da responsabilidade de bem identificar quem será atendido.