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1127- Decisão Compartilhada (Parte 12)

A Bioética da Beira do leito entende válida a absorção para a beira do leito dos conceitos da continuidade global (não apenas local) e da não separabilidade (persistência de conexão profissional após afastamento físico do paciente). É pensamento que expande o território da conexão médico-paciente para além da presencial, admitindo, então, comparticipações humanas não locais.

Em termos simples, o médico vai junto na receita prescritiva sobre tratamento e prevenção que o paciente leva para casa e executa tendo em mente as palavras ouvidas, efeitos tardios causados pela obediência às orientações recebidas, resumíveis no termo ordens médicas. Nada novo, na verdade, mas exigente de reafirmação com bases contemporâneas como também ocorre com a seleção de métodos pelo potencial de benefício e não malefício. Recorde-se que o Art. 3º do Código de Ética Médica vigente dispõe que É vedado ao médico deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente.   

Assim, a analogia é que sendo quantuns simultaneamente corpúsculos e ondas, a conexão médico-paciente admite interação presencial e à distância sob inúmeras trajetórias de afastamentos, onde incidem as necessidades evolutivas – como as de atenção evolutiva prevista pós-alta hospitalar e os acasos que de reconstruções de quadro clínico, quaisquer que sejam-  que reconhecem responsabilidades do médico e equipe. 

Desta maneira, memória e imaginação permitem imagens latentes sobre possibilidades de situações clínicas e consubstanciam  mais de um nível simultâneo de realidade passível de estar sob responsabilidade profissional ainda que à distância dos ambientes tradicionais de atendimento às necessidades de saúde, o mais comum a distância representada pelo domicílio do paciente. As resultantes influenciam a disposição para a aceitação ou não de ajustes nas recomendações, onde é essencial a participação da prudência como ética e virtude.   

A Bioética da Beira do leito enfatiza que nos rearranjos provocados pelas interações entre evidências e preferências, é ocorrência habitual uma sucessão de abstrações em função de focos mentais em vários aspectos, quer os exigentes de atenção presencial – enquanto o paciente está hospitalizado, por exemplo, quer os admissíveis para atenção não presencial – paciente pós-alta hospitalar ainda necessitando de condutas. Desta maneira, há uma ruptura de aplicação dos métodos entre os dois tipos de atenção profissional – por exemplo, a tomada de fármacos organizada pela enfermagem – causalidade local- passa para a iniciativa do paciente/cuidador, um efeito à distância com manutenção da responsabilidade profissional pela prescrição à alta hospitalar – causalidade global.

A Bioética da Beira do leito enfatiza que a  noção de continuidade da responsabilidade profissional não presencial, a persistência do sentido de conexão humana entre médico e paciente apesar da distância, as conjecturas sobre possibilidades evolutivas mediadas pela memória e pela imaginação, o entendimento que todo método simboliza um bastão de madeira com uma extremidade benéfica e outra maléfica, inclusive com efeitos tardios, tudo isto de modo associado embasa a Não Separabilidade como um alicerce da Bioética da Beira do leito de utilidade na educação, treinamento e aplicação da Decisão Compartilhada.

A experiência com o processo de Decisão Compartilhada realça como conta muito para a sua efetividade o pleno entendimento mútuo que o que ocorre agora tem alta probabilidade de vir a deixar de ser, ou seja, o presente passará – caso contrário seria eterno (lembrando Santo Agostinho- Aurélio Agostinho de Hipona, 354-430)- e as potencialidades dos sucessivos presentes por virem precisam ser alvo de compreensão bilateral.

Assim, uma vez, esclarecidas possibilidades evolutivas e discutidas opções de conduta pertinentes, o desenvolvimento de mais ou menos ajustes associa-se a maior chance de aceitação do que iniciou inaceitável (o compartilhamento) quando as partes asseguram-se da Não Separabilidade comunicativa pós-tomada de decisão compartilhada.

A Bioética da Beira do leito destaca que na calibragem do consentimento do paciente à recomendação médica, o extremo de um consentimento total à recomendação médica subentende que o paciente pressupõe irrestrita confiança na competência profissional na aplicação do consentido=recomendado e o extremo do não consentimento total à recomendação médica inclui que haverá facilidades de conexão médico-paciente quando houver necessidade, caso por exemplo, a história natural acelere e traga desconfortos maiores.

É sabido como o progresso da tecnociência estimula a neologia no jargão das especialidades. Aliás, o termo Bioética assim nasceu com o teólogo Paul Max Fritz Jahr (1895-1953) em 1927. Neste âmbito, a Bioética da Beira do leito entende a pertinência do emprego do neologismo Teleproximidade a ser acrescido à Proxêmica.

Após Hipócrates (460 ac-370 ac), médico e paciente passaram a conviver em mesmo ambiente, ou seja, a medicina nasceu num pequeno espaço geográfico e o termo presencial – presença do médico- tornou-se um símbolo do profissionalismo em saúde, expressando dedicação, acolhimento e organização indispensáveis ao mister das ciências da saúde. A comunicação eletrônica agigantou a questão nas últimas décadas e o conceito de contiguidade e distanciamento entre médico e paciente, medicina e médico, medicina e paciente sofreu uma metamorfose quanto ao sentido de interpessoalidade e de intimidade.

Às tradicionais distâncias íntima do exame físico, pessoal da anamnese, social de uma confraternização e pública de um comício, acresceu-se a grande distância física ao mesmo tempo proximidade comunicativa e que ganhou o prefixo tele. O somente áudio do telefone fixo- o médico foi o primeiro ser humano a utilizar o telefone para fins profissionais segundo relato de 1879, prática inaugurada por uma avó que teria telefonado ao pediatra na madrugada temerosa que o neto estivesse com difteria; o médico, então, ouviu a tosse da criança, descartou o diagnóstico… e  a avó voltou a dormir tranquilamente- evoluiu para a atual teleconsulta, som, imagem e texto, e que já conta com regulamentação no Brasil.

A Teleproximidade suscita ajustes de consciência profissional perante uma tensão entre novas possibilidades de atender às necessidades de saúde e limites de natureza biológica, ética, moral e legal. Vale dizer, amplificação de responsabilidades em função de expansões e limitações do uso crescente da tecnologia na área da saúde. Por isso, qualquer consideração de ordem ética e legal a respeito da Teleproximidade não pode deixar de reconhecer que é ainda difícil para o profissional da saúde conhecer o conjunto de suas responsabilidades, incluindo precedências de uma relação face a face,  exigências a respeito do desenvolvimento de um clima de confiança, garantia de competência no cuidado, completude das informações devidas. São alertas sobre limitações do não presencial, sobre preocupação com a continuidade do cuidado e sobre o respeito ao sigilo profissional.            

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