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1114- Paternalismo Responsável (Parte 1)

Momento de habitual tensão! Numa pequena distância um do outro o médico já sabe o que dizer, o paciente ainda não sabe o que ouvirá. O olho no olho torna-se poderoso, a vocalização faz diferença e a linguagem corporal reforça. O silêncio da expectativa domina.

O paciente após ter sido examinado e exames complementares revistos aguarda a manifestação do médico. Num pequeno espaço de tempo, acontecerá a informação do diagnóstico e o esclarecimento da conduta terapêutica aplicável tocando nos benefícios cogitados e em possíveis malefícios associados. Tudo muda, embora nada ainda seja fato mudado. O E então? Torna-se E agora?

Emitida a voz profissional da recomendação, ecoará a voz leiga de retorno. Esta poderá ser concisa ou prolixa, de natureza concordante ou discordante, com a emoção do alívio ou da preocupação, mas sempre representando entornos de Sim, Não e Talvez.  Logo depois, o médico terá se desligado pelo menos momentaneamente da situação, pela sequência dos atendimentos, mas o paciente permanecerá ligado nas perspectivas.

Pacientes ouvem médicos, pensam integrado ao que cogitavam e reagem instigados pelas expectativas, de um modo mais ou menos imediato, no automático ou num filtrado. São sozinhos embora em companhia, diagnósticos, tratamentos e prognósticos são só deles, cada um tem sua combinação.

Diálogos acontecem. Os pontos de referência iniciais das manifestações reacionais dos pacientes são suas auto governanças, como eles desejariam se só dependessem de si próprio. Mas seriam respostas com alta chance de não contribuírem para a resolução dos motivos da procura pelo médico. Habitualmente, há forte influência do que está acontecendo, os sintomas, um diagnóstico que impacta, um prognóstico que assusta, uma incisiva recomendação do médico, os olhares indagativo-apreensivos de circunstantes como os familiares. É a tecnociência em saúde incorporando-se teorica e praticamente ao ser humano vulnerável na forma mais realista.

Desejos iniciais de primeira ordem dos pacientes sofrem impactos e se movimentam, assim costuma acontecer. Vaivéns dos próprios pensamentos ocorrem sob influências das circunstâncias. O desejo de primeira ordem processado torna-se desejo de segunda ordem, que podemos chamar de a vontade decisória.

A vontade decisória pode vir a ser exatamente o desejo inicial – o paciente desde o início intenciona o que o médico vem a lhe recomendar ou, então, a recusa a se submeter- ou distinta do desejo inicial como resultado de ajustes conciliatórios que se desenvolvem numa dinâmica comumente peculiar para cada caso. Em suma, a mente do paciente movimenta-se após ter sido energizada pela palavra do médico e adaptações acontecem.

O processo de movimentação do desejo de primeira ordem do paciente para a vontade decisória-conciliatória deve, idealmente, ocorrer com esforços de compreensão mútua de dissonâncias manifestas entre médico e paciente. Uma procura conjunta das peças para encaixe no quebra-cabeça.

A disposição para bem entender as razões das contraposições do outro é essencial para que movimentações de mudanças incorporem-se naturalmente na construção da vontade decisória-conciliatória, o que dá autenticidade a decisões e provê mais chance de adesão ao decidido. É processo humano que inclui o quanto pode ser possível ao médico fazer adaptações aos aspectos tecnocientíficos e de timing da recomendação como originalmente justificada e apresentada como ideal ao paciente.

Os cenários de processo de tomada de decisão que orbita em torno da interação entre os princípios da beneficência, não maleficência e autonomia referidos à Bioética admitem os conceitos do Paternalismo responsável e da Decisão compartilhada. O Paternalismo responsável é o alterego do Paternalismo – o brando, ele alinha-se à predisposição do médico para efetuar novos esclarecimentos ao paciente que não parece inclinar-se para aceitar a recomendação proposta e para dele apreender razões de maus entendimentos e de contraposições. Objetiva dialogar respeitosamente para chegar a ajustes conciliatórios, da sua parte no que é possível alterar de modo respeitoso aos ditames da consciência profissional. A Decisão compartilhada é o resultado do processo de entendimento recíproco dado pela oportunidade da compreensão mútua e construção, via habilidades de comunicação, de adaptações que não pressuponham infração ética/moral/legal. Nem sempre a Ética médica permite fronteiras sólidas sobre prudência e imprudência, por isso, o valor da Bioética da Beira do leito para lidar com situações que envolvem paradoxos e ambiguidades.

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